
Almirante Othon condena os bombardeios nas usinas nucleares do Irã
Intrigada sobre os efeitos do conflito Israel/Irã/EUA, depois que Donald Trump ordenou que se atirasse uma bomba de 13 toneladas no estômago de usinas com atividades nucleares, entrei em contato com a nossa maior autoridade no assunto da energia nuclear: o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, 86 anos, ex-presidente da Eletronuclear, cientista, inventor, e um dos nomes mais respeitados cientistas brasileiros. Othon é engenheiro de formação e fez toda a sua carreira na Marinha do Brasil. Com essas credenciais, se pronunciou: “As normas internacionais vedam o bombardeio de usinas nucleares! Na Ucrânia até agora não houve bombardeio das usinas propriamente ditas, somente em prédios auxiliares que não colocam em risco a Usina!”. Ou seja, estão ultrapassando a linha do bom senso.
Sua resposta veio imediata, traçando cenários: “Se for (o bombardeio) na usina de enriquecimento o nível de radiação é muito baixo, o urânio não irradiador emite apenas partículas alfa que uma folha de papel blinda. Se for urânio proveniente de combustível reprocessado, o nível de radiação é maior”, alertou. “Se as usinas nucleares de produção de energia elétrica forem atingidas o risco de radiação é grande, mas não tão grande quanto Chernobyl onde os produtos de fissão são associados a partículas de carbono e os detetores de radiação na Suécia acusaram o acidente na Ucrânia”.
De espantosa memória, o almirante vai discorrendo e fornecendo dados históricos sobre o tema, com a facilidade de quem desliza num salão de patinação sobre o gelo: “Na época a Ucrânia pertencente à União Soviética gostaria de encobrir o acidente. O Profeta Lanning que explicava os diferentes tipos de reatores dizia, (antes do acidente de Chernobyl) os reatores RMBK nunca deveriam ter existido pois parecem um “cavalo…”.
Explicou que “o objetivo da bomba de perfuração dos EUA parece que era a destruição das ultracentrífugas de enriquecimento de urânio. Resumindo: a área atingida pelos produtos irradiados possivelmente terá um raio de cerca de vinte quilômetros! E pelas fotos não atinge nenhuma área densamente populosa!”, tranquiliza.
Uma tragédia universal
O ataque de Israel sobre o Irã, na madrugada de quinta para sexta-feira (20/06) , desencadeou uma grande apreensão em todo o mundo. O argumento para o inesperado bombardeio foi justificado pelo governo israelense como uma “prevenção” contra o “possível” fabrico de uma “bomba atômica” a ser jogada sobre o país judeu. De acordo com declarações de Benjamin Netanyahu, era preciso destruir o programa nuclear iraniano – desenvolvido, segundo o Irã, para fins pacíficos.
Para os analistas do cenário geopolítico, este seria o limiar da terceira guerra mundial, trazendo à memória o fantasma da maior tragédia universal, um artefato usado há 80 anos pelos Estados Unidos sobre duas cidades do Japão, para pôr fim à Segunda Guerra. Hoje, 80 anos depois, o pavor das consequências dessa agressão motivou uma série de protocolos e a criação do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, específico para o uso da energia nuclear, já totalmente desvirtuado, mas ainda em curso. De um lado, os EUA abandonaram esse tratado. De outro, Israel fabricou as suas bombas de energia nuclear de modo clandestino, fora desse balizamento, mas cobra do Irã, alvo do seu bombardeio, que se adeque às regras desse tratado. O Irã já anunciou que não mais o cumprirá. Sobre o trauma mundial imposto às duas cidades do Japão, nunca é demais lembrar que a primeira bomba foi lançada às 8h15 do dia 6 de agosto de 1945, sobre a cidade de Hiroshima. Sua explosão causou o maior número de vítimas mortais. Cerca de 140 mil pessoas. Três dias depois, eram 11h02 do dia 9 de agosto de 1945, quando houve o segundo lançamento, em Nagasaki, com o objetivo de forçar a rendição do Japão, que se mantinha em guerra mesmo após o lançamento da 1.ª bomba nuclear. A bomba lançada continha carga de plutônio 239, tinha pouco mais de 3 metros de comprimento e pesava cerca de 4 toneladas e meia. O projétil levou 70 mil pessoas à morte e à destruição de quase metade da cidade.
O debique entre Israel e o Irã vinha se acirrando há semanas, mas nos últimos dias, o assunto se tornou tão sério que os EUA convocaram o pessoal diplomático não essencial a deixar a região. Os militares israelenses finalmente atacaram o Irã, por Teerã, justo quando os EUA e o Irã estavam a apenas três dias de uma sexta rodada de negociação nuclear, marcada para acontecer em Muscat, Omã. (Não se sabe, agora, depois do bombardeio dos EUA às usinas nucleares do Irã – Fordow, Natanz e Isfahan -, se era um mero jogo de cena).
Um baú de memórias
A propósito da minha interpelação sobre os ataques estadunidenses às usinas nucleares e o risco para a população iraniana, o Almirante Othon parece ter aberto um baú de memórias, de onde saem dados sobre dados. Mescla a sua história pessoal com fatos políticos, acordos e informações técnicas com a agilidade de um garoto.
“Meu curso de pós-graduação em Engenharia Nuclear no MIT ocorreu nos anos 1975, 1976 e 1977, no final da ” First Nuclear Era” definida pelo Weinberg no seu livro! Até 1979 o líder do Irã era o Mohammad Rezâ Šâhe Pahlevi (1919 – 1980) e o Irã era considerado o maior aliado dos EUA no Oriente Médio! As melhores Universidades dos EUA recebiam estudantes iranianos e formavam futuros cientistas. Somente o MIT fez um convênio com o Governo iraniano para formar quatro turmas de “Master in Science” de trinta Engenheiros nucleares iranianos. Construíram até um aumento em um prédio com salas no Departamento Nuclear, para abrigar os iranianos que também eram aceitos nos outros Departamentos”, recorda. “A venda de usinas nucleares e reatores de pesquisa era um grande negócio e os EUA se comprometiam a fornecer o combustível, cumprindo as normas do Tratado Internacional de Não-Proliferação nuclear!”
Suas descrições são minuciosas, com ilustração de fatos políticos: “Em 1974 a Índia, usando o plutônio produzido em um reator nuclear que usava urânio natural ( não enriquecido) e água pesada que havia adquirido do Canadá dentro das normas do TNP – tratado de não proliferação e prometendo obedecer às normas explodiu a sua primeira bomba nuclear para intimidar o Paquistão, que depois da separação com a Índia, ao terminar o Vice Reinado da Inglaterra de tornou seu grande rival e tiveram uma guerra onde o Paquistão perdeu seu território que hoje é Bangladesh”.
Ele prossegue nas lembranças: “Toda segunda-feira havia um ” seminar” no Departamento Nuclear do MIT que os alunos eram estimulados a comparecer e eu gostava de assistir. A bomba da Índia burlando o TNP e o Programa Nuclear que o Presidente Geisel negociava com a Alemanha eram assuntos recorrentes. Fiquei com a certeza de que a parte do acordo nuclear com a Alemanha jamais produziria combustível nuclear para as Usinas nucleares que o Brasil comprava no acordo!”, revela.
“A grande rivalidade Índia/Paquistão induziu o Paquistão a produzir suas bombas nucleares para se contrapor à Índia. Na Europa. para produção de combustível nuclear foi formada a URENCO, uma empresa tri-nacional Holanda-Inglaterra e Alemanha, usando um novo processo (na época) a ultracentrifugação para conseguir o urânio enriquecido a 4% para atender aos Reatores PWR – Pressurized Water Reactor o reator mais seguro e opção da Alemanha e França para gerar energia elétrica!”
Como se lêssemos o seu diário, o almirante segue contando a história da energia nuclear. É isso que faz, com as suas reminiscências: “Na URENCO trabalhava o Dr. Khan, holandês nascido na Holanda e filho de pai paquistanês. Dr Khan foi alfabetizado na Holanda, cursou Engenharia e tirou o doutorado na Holanda. Seduzido pelo dinheiro que recebeu do Paquistão, o Dr. Khan foi responsável por um dos maiores projetos de espionagem da história, transferindo para o Paquistão o projeto e os detalhes de fabricação das peças e das ultracentrífugas. Posteriormente vendeu para o Irã a tecnologia, (possivelmente com o conhecimento do Governo do Paquistão). Ao ser descoberto pela Agência Internacional foi condenado a ficar restrito à sua Fazenda, aproximadamente do mesmo tamanho da cidade de São Paulo, onde criava cavalos árabes (sua diversão predileta) e tinha a companhia de suas trinta e duas esposas…”
Depois dessa pitada sobre essas “redes de intrigas”, o almirante relembra os tratados: “A Índia, o Paquistão e o Irã assinaram o TNP e aparentemente o Irã cumpria. Em 2009 os EUA queriam que o Irã incluísse algumas cláusulas ao TNP, entre elas a inspeção frequente da AIEA – Agência Internacional de Energia Atômica. Face à relutância do Irã, o Presidente Obama (Barack Obama) pediu ajuda ao Presidente Lula enviando uma carta que dizia os sete ou oito itens que deveriam fazer parte do acordo paralelo EUA/Irã. Em uma viagem ao Irã junto com o Ministro Amorim o Lula conseguiu a concordância do Ahmadinejad (Mahmoud Ahmadinejad) na época, primeiro-Ministro do Iran”.
Com afiado senso crítico, ainda acha espaço em suas reminiscências para observar a atitude arrogante de Hillary Clinton: “posteriormente a Secretária de Estado Hillary Clinton considerou insuficiente e queria que todos os países aceitassem o inaceitável, ou seja, que qualquer residência ou empresa fosse inspecionada a qualquer momento, pela AIEA, com a participação de técnicos dos EUA, sem a necessidade de permissão judicial ou de autoridade local”, observa.
“Em 2010 o Ministro Nelson Jobim (tendo em vista que eu havia participado da Elaboração do Tratado Tripartite entre o Brasil Argentina e ABACC – Agência Brasil Argentina de Contabilidade e Controle -, que permitia inspeções recíprocas entre Brasil e Argentina e acabou com a ridícula rivalidade que havia na área nuclear entre os dois países). Posteriormente, com o Tratado Quadripartite que permitia a AIEA acompanhar as inspeções, fui como assessor do Ministro Nelson Jobim, convocado para ir a Washington na cerimônia em que se discutiria o acordo”, destaca.
“O grande Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, que era meu amigo, havia recomendado que o Brasil não poderia assinar o que a Hillary Clinton queria, pois contrariava o primeiro princípio da Constituição: a soberania. A minha assessoria foi no sentido de não assinar. As cláusulas da Hillary Clinton não foram aceitas e posteriormente os Estados Unidos e o Irã assinaram um protocolo muito parecido com as propostas do Presidente Obama, mas depois o Presidente Trump no seu primeiro mandato cancelou.
O almirante Othon traz bastidores da maior importância, sobre o vai e vem do acordo, apontando os personagens: “O argumento da Hillary Clinton era que o Brasil (tinha a tecnologia de ultracentrífugas, com desenvolvimento próprio pelos seus engenheiros e cientistas) e deveria assinar aquelas cláusulas inaceitáveis que ela propunha para ‘dar o exemplo ao Irã’”, recrimina.
“O Brasil cumpre rigorosamente o Tratado de Não-Proliferação. Suas instalações nucleares, centros de pesquisas, inclusive os da Marinha Brasileira, são intensivamente inspecionados pela Agência Internacional e consta na Constituição federal a proibição de desenvolvimento de artefatos nucleares. A energia nuclear no Brasil é unicamente utilizada para fins pacíficos e no tratado Quadripartite com a AIEA está explícito que a propulsão nuclear não é arma, apenas substitui a propulsão convencional dos submarinos”, reforça. “A mesma interpretação da Agência, quando um submarino inglês com propulsão nuclear afundou com um torpedo de explosivo convencional o Cruzador Belgrano, em 1982, na Guerra das Malvinas!!”, conclui, novamente demonstrando a sua espantosa capacidade de lembrar, recitar dados e acrescentar histórias, sempre com um pé no pitoresco, na leveza, mesmo quando o assunto é guerra.
Imagem do Almirante Othon. Foto: Marcelo Casal Jr/Agência Brasil