
Mauro Cid pode perder benefícios da delação
No dia 9 de junho, (também conhecido como segunda-feira passada), o ministro Alexandre de Moraes – que nos últimos três anos vem sendo xingado de todos os nomes feios e apelidos possíveis -, deixou de lado a tipoia que portou nas aparições anteriores e limitava um pouco os seus movimentos do braço direito, escolheu uma camisa azul céu e uma gravata com o fundo da mesma cor, estampada de xadrez rosa e branco. Os tons pasteis suavizavam a sua figura marcante, envolta na toga preta e terno do mesmo tom.
Entrou em cena tranquilo e saudou o primeiro interrogado, o tenente coronel e réu-colaborador, Mauro Cid. Não fosse a fama de “durão”, e se poderia até dizer que amenizou a sua presença, na função de juiz relator.
Estavam, assim, abertos os trabalhos dos interrogatórios dos integrantes do “núcleo crucial”, formado pelo ex-presidente, Jair Bolsonaro, os ex-ministros Walter Braga Netto, Augusto Heleno, Anderson Torres e Paulo Sérgio Nogueira, e pelo ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem. Esse é o núcleo que, no entender da Procuradoria Geral da República, (PGR), foram os organizadores da tentativa de golpe que culminou na intentona do 8 de janeiro de 2023, visando manter Jair Bolsonaro no poder e impedindo a posse do candidato eleito: Luiz Inácio Lula da Silva.
Para o segundo e último dia de interrogatórios, a terça (10/06), novamente Moraes optou por uma camisa verde água sob gravata verde limão bem claro. Novamente parecia tentar trazer, sob a toga sisuda, uma imagem mais amena.
No cinema como no teatro, sabemos, o figurino é um componente da dramaticidade da cena. Não por acaso, no clássico de Sergio Leone, “Era uma vez no Oeste”, o personagem de Charles Bronson, tem o traje em um tom de areia, enquanto o de Henry Fonda se veste de preto dos pés à cabeça. Não é difícil saber quem vence o duelo no final.
Ainda que involuntariamente, sem atentar para esses detalhes, Mauro Cid optou por uma gravata verde Prússia, em que a esperança fica na sombra, na penumbra. Mas, ainda assim, sentou-se à mesa destinada aos interrogados demonstrando estar bem treinado e confiante, até que o advogado de Bolsonaro, Cesar Vilardi desfechou um tiro certeiro em sua autoestima. Uma pergunta feita porVilardi fez sumir dos lábios de Cid todo o sangue que ali circulava. Pálido, desviou o olhar para o nada, e fixou algum ponto à esquerda de quem o assistia, como fez em todos os momentos em que visivelmente mentiu. O questionamento, no entanto, tinha um objetivo claro: desestabilizar Cid e testar sua reação.
Vilardi perguntou se Cid já havia usado um perfil do Instagram que não estivesse em seu nome para tratar da delação. Cid respondeu, de forma hesitante, que não. O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, interveio e pediu que o advogado explicasse a qual perfil se referia. Vilardi então mencionou o nome de usuário @gabrielar702, questionando se Cid o conhecia. Visivelmente desconcertado, Cid respondeu que “não sabia se era o perfil da esposa”, mas reconheceu que ela se chama Gabriela.
O momento passou batido – não para Moraes, que lançou para Paulo Gonet (o PGR), um olhar de interrogação -, seguindo com os trabalhos. Estava ali cravada uma estaca na expectativa do tenente coronel Cid de fazer valer a sua colaboração, salvando o pai, o general Lorena Cid, as filhas e a esposa, Gabriela, que tinha acabado de entrar em cena, ali, no interrogatório.
O episódio, mais bem esmiuçado pela Revista Veja, que trouxe Mauro Cid na capa com o título: “Ele mentiu”, fez com que o foco do interrogatório se virasse para ele e suas últimas movimentações, levando a Justiça a acreditar que o ex-ajudante-de-ordem armava uma fuga. A revista mostra diálogos já revelados numa publicação anterior, em que ele estabelecia um monólogo (“desabafo”), com alguém de sua confiança e contém detalhes da sua delação. Revira daqui, revira dali, soube-se, por exemplo, de sua tentativa de obter um passaporte português, por intermédio do ex-ministro do Turismo, Gilson Machado.
A atitude levou Moraes a decretar imediatamente a prisão de Machado por obstrução de Justiça, e, ainda, recolher mais uma vez o tenente Mauro Cid. No entanto, pela manhã a ordem de prisão para ele foi revogada e substituída pela convocação para prestar depoimento na sede da Polícia Federal, à tarde. Cid negou a intenção de deixar o país. A prisão de Machado, feita pela manhã, foi revogada à noite, por Moraes, depois de uma busca e apreensão de mais um celular em poder de Cid.
O pedido de Paulo Gonet para que o tenente-coronel fosse mais uma vez preso preventivamente, foi feita com base na informação de que todos os familiares de Mauro Cid já haviam deixado o Brasil e foram se reunir com o irmão dele, nos Estados Unidos. Machado negou que viesse buscando formas para que Cid deixasse o país, dizendo que sua consulta ao consulado de Portugal em Recife havia sido feita para a obtenção de um passaporte para o seu pai, de 85 anos. Machado agora vai cumprir medidas cautelares, como a obrigação de comparecer quinzenalmente à Justiça e está proibido de viajar sem autorização ou deixar o país. As suspeitas em torno dele se agravaram por ele ter recepcionado Jair Bolsonaro em Natal, com direito a fotos, durante um almoço.
Cid afirmou que desconhece um pedido de passaporte português em seu nome e nega contatos com Machado, a quem disse não ver desde 2022.
Toda essa movimentação não prejudica o processo, na opinião do advogado Cesar Bitencourt, que defende Mauro Cid. O que pode levar é à perda dos seus benefícios. Outra especulação ventilada nas redes sociais foi a de que Mauro Cid, por ser militar, não pode ter dupla cidadania.
Uma informação rechaçada pela presidente do Superior Tribunal Militar, Elizabeth Rocha. “O mero pedido de nacionalidade portuguesa não significa que a pessoa perca o cargo. Quando há reciprocidade, o Brasil e Portugal aceitam, é possível perfeitamente o cidadão ter a dupla nacionalidade, sem problema nenhum. E por enquanto não se sabe como vai ficar a situação dele à luz da Justiça Militar, porque ainda precisa da decisão do Supremo Tribunal Federal. Só depois que o Supremo se pronunciar é que nós vamos saber como ficará a situação dele”, esclarece, acrescentando: “existem vários militares com dupla cidadania sem prejuízo para as suas carreiras”.
Sobre a situação de Cid, sabe-se que um dos itens negociados por ele na delação foi a de sua sentença não acarretar uma condenação acima de dois anos, pois nesse caso ele poderia perder a patente e o soldo. Cid seria enquadrado na situação de morte ficta, como já foi o oficial de Marinha, Marco Antônio Caldas, condenado a 14 anos. Porém, mesmo no caso de ser condenado nesta faixa de dois anos, Mauro Cid não está seguro de passar ao largo da expulsão.
De acordo com a ministra Maria Elizabeth, “mesmo aquele militar que não é condenado ou que tem uma pena inferior a dois anos, pode sofrer um Conselho de Justificação”. E aí não é porque foi condenado, “mas porque ele é considerado indigno ou incompatível para com o oficialato”, explica. “O STM já julgou um oficial que não cometeu crime nenhum, mas chegava atrasado, resistia ao cumprimento de ordens superiores, vivia preso… Então, o fato de ter uma pena inferior a dois anos ou mesmo ser absolvido, necessariamente não implica na não propositura de um Conselho de Justificação, mas aí vai depender do comandante. Porque o Conselho começa dentro do Comando do Exército, depois sobe para o STM”, disse a ministra. Aguardemos, então, os novos desdobramentos.
Imagem de Mauro Cid no STF. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil