
Pertencimento étnico: sobrenomes indígenas já podem fazer parte dos registros civis
Uma medida promulgada pela Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF) concluiu um importante trabalho de reconhecimento da identidade dos povos originários ao garantir a retificação de registros civis para a inclusão de sobrenomes indígenas.
A medida já beneficia, por exemplo, os irmãos Eloí e Uiran, que agora carregam em seus registroso sobrenome original de sua etnia, Wapichana, substituindo o “Batista da Silva” com que assinavam documentos. “É uma conquista que nos ajudou a transformar em documento oficial aquilo que já estava em nosso sangue e em nossa memória”, comemora Eloí. “Carregar o sobrenome Wapichana em nossos documentos é mais do que uma mudança formal, é uma forma de honrar a memória de nosso pai e reafirmar quem realmente somos”, reforça Uiran.
O vice-cacique Nankupé também será beneficiado com a iniciativa: no registro civil, além de retificar o prenome, ele vai incluir Tupinambá Fulkaxó como sobrenome. “O caso vai além do reconhecimento individual”, afirma. “É a validação, pelo Estado, de um vínculo coletivo, histórico e espiritual que nunca deixou de existir para o povo tupinambá, um dos primeiros a resistirem à colonização portuguesa no Brasil e que luta há décadas pela reconstituição de seu território tradicional e pelo respeito à sua cultura”, conclui o líder indígena.
Ancestralidade
As novas certidões já foram emitidas e refletem um passo fundamental para assegurar que os nomes desses cidadãos expressem sua verdadeira história, sua ancestralidade e seu vínculo comunitário. O procedimento, além de um ato jurídico, também representa uma forma de preservação da memória coletiva e do reconhecimento da pluralidade cultural.
“O direito ao nome é parte essencial da dignidade humana”, avalia o defensor público-geral substituto, Fabrício Rodrigues. “Ao possibilitar a inclusão dos sobrenomes indígenas, estamos não apenas cumprindo a lei, mas também fortalecendo a identidade e o pertencimento de povos que carregam consigo a memória viva da nossa história e da nossa cultura.”
Com atuação no Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, o defensor público Tiago Kalkmann reforça que a retificação foi feita com base em previsão legal e em consonância com a Constituição Federal e os tratados internacionais de proteção aos povos indígenas.
A legislação
“Esse é um direito que encontra respaldo jurídico, porque o nome não é apenas um elemento formal, mas também carrega identidade, história e pertencimento cultural”, explica. “Ao reconhecermos essa especificidade dos povos originários, asseguramos um direito fundamental que vai além do registro civil, alcançando o reconhecimento da própria existência coletiva.”
Desde 2012, é possível retificar o registro para incluir o sobrenome étnico – mas isso somente podia ser feito de forma judicial e mediante a comprovação por meio do Rani (Registro Administrativo do Nascimento de Indígena). A partir de dezembro de 2024, essas alterações podem ser feitas diretamente no cartório, geralmente por meio de declaração da comunidade ou etnia.
Embora agora a retificação seja autorizada diretamente no cartório, essa atividade normalmente é cobrada, e fica ainda mais cara quando a pessoa foi registrada em outro estado. Nessas situações, a tramitação judicial garante a gratuidade, conforme a missão da Defensoria Pública.
- Os irmãos Eloí e Uiran, agora passam a assinar o sobrenome Wapichana em suas identidades: mudança tem amparo legal garante o respeito à ancestralidade. Foto: Divulgação/DPDF
- Fonte: A partir de informações da Agência Brasília/Defensoria Pública do DF