
Programa Bem-vindos ao DF: estudantes estrangeiros aprendem português nos centros interescolares de línguas para migrantes, refugiados e apátridas
A barreira da linguística não é mais obstáculo para a educação de migrantes, refugiados, apátridas e emigrantes retornados, independentemente da situação imigratória ou documental – com prioridade para o ensino de Português como Língua de Acolhimento (PLAc). Centenas de estudantes migrantes que vivem no Distrito Federal. Desde janeiro, com a Política de Acolhimento a Migrantes Internacionais Falantes de Outras Línguas, intitulada Bem-vindos ao Distrito Federal, a Secretaria de Educação do DF (SEEDF) garante que todos os moradores do DF, independente da origem étnica, tenham as mesmas chances.
As primeiras turmas funcionam em seis centros interescolares de línguas (CILs) — Guará, Asa Norte, Ceilândia, Samambaia, Taguatinga e São Sebastião — e atendem estudantes a partir do 6º ano do ensino fundamental. Já as crianças menores seguem recebendo apoio nas próprias escolas, com incentivo à criação de ambientes multilíngues e inclusivos.
A diretora do CIL do Guará, Taiana Santana, destaca o avanço que a transformação do projeto em política pública representa. “Nós já tivemos formaturas deles falando em português, eventos em que eles trouxeram comidas típicas, e os nossos alunos tiveram a oportunidade de conhecer culturas diferentes. É grandioso. Hoje temos 160 alunos, além dos mais de 300 que já passaram pelo curso”.
A implementação da política também incluiu cursos de formação continuada para professores e a produção de materiais específicos, como o Caderno Pedagógico Migrantes e o videocast Migrantes Internacionais: a língua como acolhimento, disponíveis no YouTube da Escola de Formação Continuada dos Profissionais da Educação (Eape) e no site da secretaria. Outro destaque é o documentário CILG – Bem-vindos ao DF – Migrantes Internacionais, que apresenta a experiência no CIL do Guará.
Para viabilizar a implementação, foi realizada uma formação continuada no primeiro semestre de 2025, por meio de uma parceria entre a Subsecretaria de Educação Inclusiva e Integral (Subin) e a Eape. O curso foi destinado a professores de línguas, que já estão atuando nas turmas iniciais do PLAc. A Diretoria de Educação em Direitos Humanos e Diversidade (DDHD), vinculada à Subin, coordena as ações e garante a matrícula de estudantes migrantes mesmo sem documentação, além de oferecer orientações práticas às escolas por meio da Circular nº 27/2024.
A vice-diretora do CIL do Guará, Priscila Mesquita, complementa que o curso é reconhecido pela Polícia Federal, o que auxilia no processo de legalização da permanência de migrantes no país. “Isso muda o destino deles aqui: integração, oportunidades de trabalho, socialização e felicidade. É uma troca muito rica”.
Muito além do idioma
O Português como Língua de Acolhimento é voltado para o ensino do idioma e da cultura brasileira. O curso funciona em formato híbrido, com aulas semanais. Aulas online permitem a participação de quem trabalha, mas também há encontros presenciais para atendimento individualizado, sobretudo para iniciantes ou falantes de línguas tipologicamente diferentes do português, como o árabe.
A coordenadora do curso no CIL do Guará, Danielle Paz, destaca que o PLAc vai além do aprendizado da língua, proporcionando trocas culturais e um olhar humanizado para individualidade e tradição de cada estudante. “A gente atende migrantes internacionais, alguns em situação de refúgio de guerras, que dependem do aprendizado do idioma para viabilizar a vida aqui. Eles vêm com essa motivação de estabelecer uma vida nova, ter novas esperanças. Nós recebemos esses alunos cuidando do ensino e de encaminhamentos que eles precisam”, afirma.
Danielle ressalta que ao início do curso é feita uma avaliação chamada needs analysis, para identificar e adaptar as necessidades de cada aluno. É o caso de alunas muçulmanas, que precisam estar em um ambiente separado dos homens, ou outros estudantes que têm um espaço separado para fazer as orações que a tradição exige durante o dia. “Fazemos questão de não anular a cultura deles, porque eles têm que se sentir valorizados como povo, ter espaço de fala e oportunidade de mostrar os costumes e a identidade deles”, diz Danielle.

O professor Pedro Reis, que atuou nas primeiras turmas, lembra dos desafios iniciais do curso, que enfrentou a necessidade de letramento digital para viabilizar as aulas online durante o período pandêmico. “Eu nunca tinha trabalhado com um público tão diverso. Era gente do Haiti, Congo, Vietnã, Holanda, tudo junto no nível iniciante. É muito interessante ter essa experiência, porque ao mesmo tempo que ensinamos elementos de cultura brasileira, aprendemos muito sobre a cultura deles”.
Ele reforça a importância do Centro de Línguas do DF e o curso como uma política pública, apontando que a tendência do Brasil de receber cada vez mais migrantes: “Temos uma política de migração relativamente fácil em relação a outros países, isso é um atrativo para as pessoas. Mas muitas vezes elas chegam aqui e a primeira barreira é a linguística. Ter acesso a uma escola de idiomas muda o destino delas, a integração com a comunidade, as oportunidades de trabalho. Com a nova portaria, vamos aumentar o acesso, melhorar a qualidade e ficar mais próximo das comunidades, o que resulta em uma probabilidade muito maior de permanência no curso.”
Vozes de quem aprende
A bangladesa Humaira Ferdousi, 48, está no Brasil há dois anos. Ela veio com o marido, que é diplomata do país do sul da Ásia. Para Humara, que tem como língua original o bengali (também chamado de bangla), a comunicação era difícil até na hora de usar a moeda brasileira. Ela conta que tudo mudou quando conheceu o CIL: “Quando cheguei, não entendia nada de português. Era difícil até comprar as coisas básicas. Agora eu entendo melhor, posso perguntar, comprar. Fui muito bem-recebida nesse curso; os professores e colegas são muito amigáveis e respeitosos”, observa.
O colombiano Carlos Athuro Gomez Gomez, de 71 anos, mora há dois anos no Brasil. O aposentado já morou na Espanha, residiu dez anos no Canadá e conheceu diversos países, mas o Brasil é dono de um lugar especial no coração – palco da história de amor que o trouxe até o país, com uma carioca que conheceu em suas viagens. Carlos diz que na verdade é apaixonado pela cultura brasileira e, com muita bagagem para compartilhar, se diz feliz por ter encontrado um lugar de tantas trocas.
“Vim ao Brasil por uma mulher, nos casamos e já nos divorciamos, mas não vou partir”, conta. “Estou muito feliz em viver aqui e por ter encontrado um lugar como o CIL, que se preocupa com as pessoas e com o aprendizado maior que só o idioma. Isso é muito importante, porque precisamos aprender português para agir, trabalhar, se integrar na comunidade. As pessoas aqui são muito gentis, o brasileiro, de forma geral, é muito gentil.”
- Professor Pedro Reis e o aluno colombiano Carlos Athuro Gomez Gomez. Fotos: Matheus H. Souza/Agência Brasília
- Fonte: A partir de informações da Agência Brasília