
Brasileiros denunciam restrições para participar de eleições municipais em Portugal

No próximo domingo, dia 12/10, Portugal irá às urnas para as eleições que vão definir a administração das câmaras municipais, assembleias municipais e assembleias de freguesias nos próximos quatro anos.
Os cidadãos brasileiros residentes no país, assim como cabo-verdianos, podem participar do pleito desde que tenham mais de dois anos de residência legal. Porém, mesmo com o direito garantido por lei, muitos não conseguiram realizar o recenseamento eleitoral ou completar o processo, que é solicitado na sede administrativa da freguesia (bairro) onde vivem.
É o caso do brasileiro Lucas Rosa, de 29 anos, que foi até a Junta de Freguesia de Sacavém solicitar seu direito ao voto no dia 12 de agosto, prazo limite para fazer o pedido. O desenvolvedor de software relatou a Opera Mundi que, ao chegar na sede do órgão público, a atendente disse que o prazo já havia se esgotado.
“Eu insisti que a informação estava incorreta e ela foi pesquisar e viu que eu estava certo. Em seguida, me informou que, mesmo estando dentro da data legal, não havia nada que pudesse fazer, pois o colega que tratava dessas questões estava de férias”, contou.
Frustrado por não ter conseguido exercer algo previsto em lei, Lucas disse ter deixado o local tomado por um sentimento de impotência diante de mais uma situação de descaso do Estado português com a comunidade brasileira.
“O voto imigrante é importante para fazer com que as políticas públicas desse país reflitam a realidade de quem trabalha e contribui para com o mesmo”, afirmou.
Ivani Souza, de 63 anos, também pretendia contribuir com o processo democrático, e também foi impedida pela burocracia portuguesa. Ela contou à reportagem que esteve na Freguesia do Areeiro no dia 17 de julho, dias antes do final do prazo legal para o pedido, mas nunca recebeu resposta oficial sobre o recenseamento. Seu nome até hoje não consta no cadastro de eleitores ativos.
“Quando fui até a [Junta da] Freguesia questionar que ainda não havia recebido a carta de recenseamento, a atendente disse que era normal a demora e que eu deveria aguardar, porque a resposta chegaria antes das eleições. Faltam apenas quatro dias e até agora nada”.
Para Ivani, é importante que todos os imigrantes aptos ao voto participem das eleições, pois, de acordo com ela, é através desse exercício democrático que a população escolhe quem vai representá-los e lutar pelos direitos de todos os trabalhadores.
“Assim como os atrasos que têm ocorrido em relação às renovações de residência e o descaso com imigrantes, que enfrentam anos de fila para se regularizarem no país, sinto que o impedimento para participar das eleições também é proposital. Isso porque a própria Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA) havia incentivado o voto imigrante em suas redes sociais”, lembra.
Outro caso ouvido pela reportagem é o de Fernando Silva, 43 anos. Ele conta que solicitou o recenseamento no início de agosto, também na Freguesia do Areeiro. Segundo o professor e editor de conteúdo, foi até a Junta perguntar sobre a demora em receber uma resposta. “A atendente me informou que, normalmente, a carta é enviada em três dias úteis e que ela já não poderia fazer mais nada, que eu só tinha que aguardar”, explicou.
Fernando acredita que expor esse descaso também é uma forma válida de demonstrar como o sistema português utiliza a contribuição laboral de estrangeiros como “meras pilhas substituíveis” para sua “máquina extorsiva” de caráter anticonstitucional.
“Esse processo segue a moer-nos enquanto, sob desespero, somos explorados no âmbito monetário até sermos descartados e enxotados deste país, como se fôssemos folhas secas pelas ruas de Portugal”, desabafou.
Mais uma falha estatal
Graças ao Tratado de Porto Seguro, assinado no ano 2000, os brasileiros que vivem em Portugal têm direito a votar. Este acordo estabeleceu um Estatuto de Igualdade, que garante a cidadãos de ambos os países os mesmos direitos e deveres quando residem no território do outro.
Entre esses benefícios estão, além do direito ao voto, o acesso a trabalho, educação, saúde e também o direito de solicitar o Cartão de Cidadão português.
Segundo dados do Ministério da Administração Interna de Portugal – que também é responsável pelo recenseamento –, até 15 de junho, 19.432 imigrantes haviam feito o cadastro eleitoral. Em 2024, o número total era de 18.552, sendo 8.551 pertencentes à comunidade brasileira, representando 46% das pessoas cadastradas.
Ana Paula Costa, presidente da Casa do Brasil de Lisboa, disse que o recenseamento eleitoral, de fato, tem colocado barreiras para que os imigrantes consigam fazer a inscrição. Ela reforça que algumas Juntas de Freguesia chegam a não saber como realizar o processo ou pedem documentos que não são obrigatórios.
“É comum que as pessoas tenham de voltar mais de uma vez à Junta de Freguesia até conseguirem recensear-se, sendo que este é um ato prioritário. Toda a situação administrativa da AIMA também dificulta o recenseamento porque, em muitos casos, o imigrante já tem o tempo de residência necessário para votar nas eleições autárquicas, está regularizado, mas ainda não tem o cartão de residência que, por questões de atraso, ainda não chegou”, pontuou.
A presidente da Casa do Brasil ressalta que casos assim comprovam mais uma falha grave do sistema português, já que o voto imigrante é fundamental, pois cria um sentimento de pertencimento, de representatividade, de mais participação e mais exercício da cidadania.
“O exercício do voto nas eleições municipais, além de ser um direito para algumas comunidades imigrantes, é um reconhecimento aos que fazem parte da comunidade política e podem contribuir em diversas áreas da cidade, sobretudo num contexto em que a imigração tem sido instrumentalizada”, explicou.
O gabinete de comunicação do Ministério da Administração Interna (MAI), bem como o Portal do Eleitor, foram procurados para questionar sobre o número de brasileiros recenseados para o pleito do próximo domingo, assim como de outras comunidades de imigrantes, e também sobre como as pessoas cujos nomes ainda não aparecem no cadastro devem agir.
A resposta à reportagem veio em um comunicado enviado nesta quinta-feira (09/10) pela Administração Eleitoral da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (AE/SGMAI). A entidade alegou não ter conhecimento de quaisquer problemas na inscrição dos cidadãos estrangeiros residentes em território nacional. Verificou-se, no entanto, uma grande afluência às Juntas de Freguesia por parte destes cidadãos, com mais de cinco mil cidadãos estrangeiros a efetuarem a sua inscrição no recenseamento eleitoral, nos meses de julho e agosto.
Adicionalmente, também segundo a AE/SGMAI, a Lei do Recenseamento Eleitoral determina que as atualizações do recenseamento eleitoral sejam suspensas nos 60 dias que antecedem uma eleição. “Tendo sido marcada a eleição para os Órgãos das Autarquias Locais para o dia 12 de outubro, o recenseamento eleitoral suspendeu-se no dia 13 de agosto de 2025, pelo que só foram aceites inscrições no recenseamento até ao dia 12 de agosto de 2025”, afirma o comunicado.
A entidade completa dizendo que “na inscrição dos estrangeiros residentes em Portugal não é remetida qualquer carta de confirmação, uma vez que no momento da inscrição é imediatamente entregue ao cidadão a sua ficha de eleitor que comprova a inscrição”, e recomenda aos cidadão que verifiquem seu recenseamento eleitoral no site www.recenseamento.pt.
- Ana Paula Costa, presidente da Casa do Brasil de Lisboa, que lembrou que a imigração tem sido instrumentalizada no debate político português nos últimos anos/Casa do Brasil de Lisboa/Reprodução
- Escrito originalmente para o Opera Mundi