Desta vez não é recado, alerta Celso Amorim

4 de fevereiro de 2021, 17:24

O embaixador e ex-chanceler, Celso Amorim, comentou com bom humor o artigo do embaixador chinês, no Brasil, Yang Wanming, publicado hoje (04/02), no Jornal O Globo. Segundo ele, a situação do país anda tão confusa que qualquer sinal é visto como recado. Mas, neste caso, no seu entender, “é uma exposição da visão chinesa (Xi-Jinpin) do mundo”, apenas.

Em seu artigo, o embaixador Wanming disse que “o multilateralismo é um patrimônio valioso, desenvolvido pela comunidade internacional a partir de uma profunda reflexão sobre as dolorosas lições da Segunda Guerra Mundial e tem desempenhado um papel fundamental na manutenção da paz e na promoção do progresso comum. A pandemia atual é um sério desafio e uma crise sanitária para todos os países do mundo. Para superar a crise, é preciso seguir o princípio do multilateralismo, isto é, lidar com os assuntos internacionais por meio de consultas e decidir juntos o futuro do mundo”.

É difícil não ler as suas ideias como “indiretas” para Bolsonaro e o seu inexpugnável chanceler (que lamentavelmente precisa ser chamado assim).

“Aqui está tudo tão revirado, que qualquer pronunciamento soa como recado (que de certa forma é). O objetivo principal é dizer que a China está disposta a olhar para frente, na base dos princípios expostos. Multilateralismo, respeito às diferenças, pragmatismo em lugar da ideologia. “Let bygones be bygones, desde que, daqui pra frente, me respeite”, analisou Celso Amorim, apontado como o melhor entre todos que tinham o mesmo cargo na época em que serviu ao governo Lula.

Tem razão o embaixador, ao ver no artigo, não um recado, mas um posicionamento. O difícil é saber quando e de onde virá o próximo ataque a quem nos fornece insumos e vacinas. Perguntar é preciso. Será que criaram juízo?

(Na íntegra o artigo do embaixador chinês)

De que tipo de multilateralismo o mundo precisa?

De que tipo de multilateralismo o mundo precisa?

04/02/2021 • 00:00

Por Yang Wanming*

Em 2020, a humanidade passou por múltiplas crises raramente vistas: a pandemia da Covid-19 causou uma profunda recessão na economia mundial e uma sequência de desafios globais. Como se não bastasse, certos países puseram-se a pregar o unilateralismo e até a provocar confrontos e fabricar divisões, tornando a situação internacional ainda mais complexa. Em seu pronunciamento especial na Agenda de Davos do Fórum Econômico Mundial, o presidente chinês, Xi Jinping, apontou que a defesa e implementação do multilateralismo são a solução para os problemas da atualidade.

O multilateralismo é um patrimônio valioso, desenvolvido pela comunidade internacional a partir de uma profunda reflexão sobre as dolorosas lições da Segunda Guerra Mundial e tem desempenhado um papel fundamental na manutenção da paz e na promoção do progresso comum. A pandemia atual é um sério desafio e uma crise sanitária para todos os países do mundo. Para superar a crise, é preciso seguir o princípio do multilateralismo, isto é, lidar com os assuntos internacionais por meio de consultas e decidir juntos o futuro do mundo. Em vez de criar grupos fechados e iniciar uma “nova Guerra Fria”, devemos defender valores comuns como paz, progresso, equidade, justiça, democracia, liberdade e fortalecer, ao máximo, a abertura e a inclusão dos mecanismos, conceitos e políticas da nossa cooperação. Ao descartar normas, regras e sistemas discriminatórios e ao derrubar barreiras ao comércio, aos investimentos e às tecnologias, vamos construir uma economia mundial aberta, salvaguardar o sistema multilateral de comércio e realizar um desenvolvimento de melhor qualidade e maior resiliência.

O multilateralismo é o pilar da ordem internacional existente, e a Carta das Nações Unidas é o alicerce das relações entre os Estados. Desviar ou abandonar essas regras elaboradas em conjunto e amplamente reconhecidas pela comunidade internacional poderia trazer consequências desastrosas para a humanidade. Para implementar o estado de direito internacional, é necessário defender um sistema mundial que tenha as Nações Unidas como fulcro e uma ordem global que tenha o direito internacional como esteio, preservar a autoridade e a eficácia de instituições multilaterais como a ONU e a OMS, assim como coordenar e regulamentar as relações e conduzir as agendas por meio de regras e normas. As decisões não devem ser tomadas simplesmente por alguém que tem maior punho, e o multilateralismo jamais deve servir de pretexto para impor aos demais regras feitas por poucos, nem para criar alianças de valores contra países específicos. Caso contrário, o mundo regredirá à era da “lei da selva”.

O multilateralismo tem como valor central a consulta e a parceria, e só o respeito e a compreensão podem gerar benefícios para todos. As diferentes histórias, culturas e instituições sociais de cada país não podem ser classificadas como superiores ou inferiores, pois todos seguem lógicas de desenvolvimento próprias. Se vão ou não prosperar no longo prazo, dependerá da sintonia ou não com a realidade nacional e do apoio ou não dos seus povos. Essas diferenças apenas ilustram a diversidade do nosso mundo, que é uma realidade. Tal realidade não é motivo de alarme, mas sim pode e deve promover a competição saudável e o desenvolvimento humano. As diferenças não são pretexto para o confronto, mas um estímulo à parceria. O mundo deve abandonar o preconceito ideológico, respeitar e acomodar as diferenças. É por meio do diálogo que vamos reforçar a confiança mútua, superar as divergências e fomentar a aprendizagem. O caminho da coexistência pacífica e do benefício recíproco assegura os direitos iguais de todos os países ao desenvolvimento e contribui para o progresso de toda a civilização humana. Devemos advogar uma concorrência justa, como uma competição de atletismo que busca a excelência, e não uma luta de gladiadores, em que os vencedores eliminam os perdedores.

Tanto a China como o Brasil são defensores, praticantes e beneficiários do multilateralismo e fazem parte da comunidade do futuro compartilhado para a humanidade. Com esse espírito, a China está disposta a unir forças com o Brasil e todos os países do mundo para enfrentar os desafios globais e, juntos, lançar luz sobre o caminho que a humanidade tem pela frente.

*Embaixador da China no Brasil

Yang Wanming

04/02/2021 • 00:00

Por Yang Wanming*

Escrito por:

Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora-pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" e "Imaculada", membro do Jornalistas pela Democracia

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *