Evangélicos e Fernando Haddad (Foto: Pixabay I Agência Brasil)

Dinheiro acima de tudo, renúncia fiscal acima de todos

19 de janeiro de 2024, 21:19

“Daí a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.” Essa passagem bíblica deveria ter sido lembrada hoje (19/01) por Fernando Haddad, no encontro com líderes evangélicos que foram exigir que a Receita Federal recuasse da suspensão da isenção do imposto de renda sobre a remuneração de pastores e líderes religiosos, concedida pelo governo Bolsonaro, às vésperas das eleições de 2022.

Para pressionar o governo, os “mercadores da fé” contam com os milhões de votos de seus fiéis e com o peso dos votos dos 216 deputados e 26 senadores que compõem a frente parlamentar evangélica.

Exigência parecida está sendo feita pelos 17 setores agraciados com a desoneração da folha de pagamento. Uma política de desconto de impostos que já dura 14 anos e que tinha como contrapartida a geração e manutenção de empregos pelos setores beneficiados. O que, pelo que sabemos, não foi cumprido.

O custo desta renúncia fiscal representa para os cofres do país algo em torno de 32 bilhões de reais. Esse é o “dízimo” que empresas agraciadas com a desoneração, como as Organizações Globo, cobram do governo e do parlamento. 

O curioso é que boa parte dos membros e líderes dessas denominações religiosas e das empresas de comunicação, que tão energicamente advogam e cobram o controle fiscal, o corte de gastos públicos, são extremamente maleáveis quando a gastança atende aos interesses pessoais deles próprios. Contraditório, caro leitor. O que me vem à mente é aquela máxima do oportunismo: “farinha pouca, meu pirão primeiro!”

Quanto a nós, contribuintes, reles mortais, não existe benesse. Entra ano, sai ano e somos arrochados por todos os lados: IPVA, IPTU, IRPF, IRPJ, ICMS, IOF, IPI e todos os “Is” (de imposto), possíveis e imagináveis. Não há refresco.

Os três irmãos, filhos de Roberto Marinho, continuam sendo uma das famílias mais ricas do país, com patrimônio estimado, segundo matéria publicada no UOL, de 5,4 bilhões de dólares ou 27,4 bilhões de reais. 

Já as fortunas dos principais líderes evangélicos do país, não ficam muito atrás da dos Marinho. Numa pesquisa no Google, Edir Macedo aparece com uma fortuna estimada em 1,2 bilhão de dólares, algo em torno de 6 bilhões de reais. 

E são esses os que mais se ressentem de qualquer medida que represente o mínimo de justiça fiscal. São esses que, defendendo o seu – e somente o seu – despejam sua ira e lançam mão de suas armas – uns, a mídia e produção de conteúdos, que dominam; outros, a chantagem, seja com ameaça de retaliação no Parlamento, seja na incitação do ódio dos fiéis contra o governo federal.

E aqui, caro leitor, lembro que a Bíblia – regra de fé e prática dos que se dizem cristãos – chama de idólatras todas as pessoas que fazem do dinheiro e da riqueza o seu deus. Lembro ainda que Jesus, no sermão da montanha, disse que ninguém pode servir a dois senhores, que não é possível servir a Deus e a Mamon (termo usado na Bíblia para descrever dinheiro e riquezas materiais).

Ou seja, para os cristãos, a relação com o dinheiro é algo muito sério e requer um cuidado atencioso, pois pode perverter o coração do homem. O dinheiro pode se tornar uma fonte de idolatria. Em 1 Timóteo, capítulo 6, versículos 9 a 10, o recado é muito claro: “No entanto, os que ambicionam ficar ricos caem em tentação, em armadilhas e em muitas vontades loucas e nocivas, que atolam muitas pessoas na ruína e na completa desgraça. Porquanto, o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males; e por causa dessa cobiça, alguns se desviaram da fé e se atormentaram em meio a muitos sofrimentos.”

Um pouco antes, no capítulo 3 do mesmo livro de 1 Timóteo, a regra de como um pastor deve ser: “É fundamental, pois, que o bispo seja irrepreensível, marido de uma só esposa, equilibrado, tenha domínio próprio, seja respeitável, hospitaleiro, capacitado para ensinar; não deve ser apegado ao vinho, nem violento, mas sim amável, pacífico e não amante do dinheiro.”

São esses os textos que os líderes religiosos conhecem muito bem, mas parecem não se lembrar.

A reação irada dos líderes evangélicos que, como todos nós, passarão a pagar impostos sobre suas remunerações, é bastante indicativa do que realmente interessa a eles: o próprio bolso, engordado pelo dízimo e protegidos pelas benesses fiscais, estas a custas de todos nós, crentes e descrentes.

Escrito por:

Jornalista com passagem pelas principais redações do país: Folha de São Paulo, JT, TV Globo, TV Manchete, TV Cultura, TV Gazeta, TV Brasil, TVE/RIO, Rede Minas, Rádio Eldorado, Rádio Tupi, Rádio Nova FM, Rádio Musical e colaborador do El País Brasil e Brasil 247

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