Dois ex-juízes à procura de um destino

11 de junho de 2020, 16:14

A política não é para principiantes. Com um encontro marcado com a renúncia ou a aprovação de um impeachment, cujo processo teve início ontem, em placar assustador: 60 X 0, até o meio da campanha para governador do Rio, ninguém apostava uma ficha no candidato Wilson Witzel, do PSC – partido do Pastor Everaldo. Eleito aos 50 anos, o paulista de Jundiaí não existia como ameaça nas pesquisas das eleições de outubro de 2018, até colar em Flávio Bolsonaro (e, quem sabe, beneficiar-se da “campanha digital” da “famiglia”). Eleito aos 50 anos com um discurso de segurança pública a qualquer preço, – valendo “atirar na cabecinha” -, e forte dose de moralismo e combate à corrupção, Witzel largou a vida de juiz federal depois de 17 anos, para aventurar-se por este campo minado que é o das disputas políticas.

O mesmo aconteceu com o ex-juiz Sergio Moro. Ambicioso e sem dar muita bola para a imparcialidade, lançou-se ao mar da política e dos holofotes, com um único objetivo: chegar a Brasília. A princípio, mirava a cadeira presidencial. Porém, vislumbrando um atalho, trabalhou para tirar da frente de Bolsonaro um obstáculo chamado Lula da Silva. Assim, se fez notar e um cargo de ministro da Justiça caiu em seu colo. O cavalo passou selado – o que ele não percebeu foi que os arreios da sela estavam bambos.

Reprovado na prova para obter a carteira da OAB, hoje está tendo dificuldades até mesmo para obter uma. Queria subir rápido. Hoje, provavelmente, o que tem de sobra são dúvidas quanto ao futuro.

Tanto Witzel quanto Moro estão em péssima situação no cenário político, palco onde buscaram os holofotes, mas chegaram próximo demais da luz. Tal como Ícaro, estão derretendo. Witzel tentou um rompimento com Bolsonaro e chegou a estar com imagem razoável durante a pandemia, até que – em que pese a ação espetaculosa e visivelmente politizada da Polícia Federal ao realizar “batida” em sua residência oficial – foi pego em “irregularidades” a serem investigadas durante o processo de impeachment, ou independente dele.

Moro fez sombra ao chefe, deixou evidente a volúpia pelo seu cargo e foi pressionado a desembarcar. Saiu batendo, imaginando um apoio que não veio. Desceu a tempo de ser trabalhado pela emissora que tantas vezes beneficiou com os seus vazamentos. Deu certo no início, mas abandonado pelos bolsominions e sem mais apelo junto à classe média, insatisfeita com o governo que ele defendeu, foi preterido e substituído por uma “frente ampla”, de onde pode sair, quem sabe, uma candidatura Ciro, com Marina de vice.

Witzel – que tudo faz crer tem em seu arquivo farto material sobre o adversário -, calculou mal o time dos seus movimentos. Suspeita-se que ele e a “famiglia” disputavam território em terreno pantanoso. No embate, primeiro apertou Bolsonaro com revelações sobre a portaria do condomínio da Barra, em que mora, e levou Carlos Bolsonaro, o filho 02, a perder noites de sono.  Romperam.

Em seguida peitou o governo, aderindo ao isolamento social, agravando a briga. Por fim, depois que vieram à tona as suas tratativas sobre hospitais de campanha, tentou um “reatamento”. Por coincidência ou não, sua Polícia prendeu mais um personagem ligado ao caso das mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes – Maxwell Simões Correa, do corpo de bombeiros. Mas, ato contínuo, o delegado Antônio Ricardo Lima Nunes, titular do Departamento Geral de Homicídio e Proteção à Pessoa, declarou ter “certeza” (e olha que o termo é forte) de que ninguém da “famiglia” está ligado aos assassinatos.

Caso tenha sido mais um recado a Bolsonaro, sobre o arsenal que possui, Witzel demorou a agir.  À tarde a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) praticamente decretou o fim da sua carreira política. Diante do verdadeiro 7 X 1 que lhe impuseram os deputados na Alerj, resta pouco espaço para qualquer manobra, a não ser a de um caminhão de mudanças no pátio do Palácio Laranjeiras.

Quanto a Moro, enquanto aguarda abrandar a revolta da base dos advogados, que se levantaram contra tê-lo em suas fileiras atuando na profissão, e já devidamente instalado em Curitiba, vê o seu sonho de retorno à Brasília em melhores condições do que a primeira tentativa, cada vez mais turvo. Não é mais juiz, não é ministro, não será integrante do STF, e talvez não consiga nem mesmo advogar. Os ex-juízes avaliaram mal as próprias chances.

Escrito por:

Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora-pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" e "Imaculada", membro do Jornalistas pela Democracia

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