William Bonner e Renata Vasconcellos (Foto: Reprodução)

Está na hora de romper o círculo de silêncio sobre os crimes dos jornalistas na Lava Jato

4 de outubro de 2023, 08:29

O portal Consultor Jurídico trouxe a público mais um trecho das gravações da Operação Spoofing com o conteúdo da troca de mensagens do grupo dos procuradores da Lava-Jato no aplicativo Telegram.

As mensagens, obtidas pelo hacker Walter Delgatti Neto, revelam as entranhas da Lava-Jato. Desta vez, de forma inédita, o fragmento de diálogo revelado exibe a maneira como jornalistas estavam disponíveis para prestar serviços aos procuradores na tarefa de ampliar o massacre da imagem das pessoas que eram vítimas das denúncias, buscas em suas casas e prisões. A revelação expõe o mecanismo criminoso da máquina de moer reputações operada pela Lava-Jato com o concurso indispensável de jornalistas transformados em propagandistas das operações espetaculares que o então juiz Sérgio Moro urdia contra os investigados.

Na troca de mensagens, diz a procuradora Laura Tesler, a respeito da estratégia de liberação de informações sobre uma operação contra o então ex-presidente Lula:

“JN é uma ótima!!! Mas de qq forma é bom Tb depois dar uma provocada no Josias, Miriam Leitão etc, para descerem a lenha”, escreveu a procuradora Laura Tesler.

Como se vê, para a obtenção do efeito almejado, era fundamental mobilizar um aparato jornalístico cuidadosamente selecionado, com delegação de autoridade e apoio de seus veículos para cumprir as missões.

Havia planos com distribuição de tarefas, com os nomes dos responsáveis e momentos de sua entrada em ação.

São citados os nomes de Vladimir Neto, da Globo, Miriam Leitão, do grupo Globo, e Josias de Souza, do Uol. O Jornal Nacional é a nave-capitânia do esquema. Escreve Deltan Dallagnol ao grupo de procuradores:

“Rechecarmos tudo e fazermos release logo antes do JN 2. Liberar Vladimir Neto pra soltar 3. Passar pra Josias com embargo, pra soltar no começo do JN”.

Josias de Souza diz que nada do que consta das mensagens é verdadeiro. Seria, talvez, uma conversa mole de procuradores exibicionistas.

A negativa não nega a prova da realidade. Josias, Miriam, Vladimir e o Jornal Nacional jogaram junto com a República de Curitiba em todos os momentos.

De todos, Josias é o único que em seu estilo afetado defende de maneira renitente os processos da desmoralizada operação até hoje.

A participação da velha mídia na perseguição a Lula é omitida pelos jornalistas e veículos que participaram. Quando surgem novos detalhes, eles são recebidos com silêncio e censura. Até veículos (não é o caso deste 247) e jornalistas da mídia independente viram o rosto e fingem-se de mortos para não romper a espiral do silêncio que vigora entre os jornalistas. Fala-se que a mídia corporativa foi fundamental para a Lava-Jato de maneira genérica. Mas não se escreve a respeito. Os poucos jornalistas que ousam apurar a atuação de colegas são discriminados e acabam excluídos.

Quem reporta e critica quando os criminosos são jornalistas? Quem expõe essa verdadeira máfia corporativista, esse esquema de poder paralelo mantido em acordos de mútua proteção envolvendo veículos e profissionais?

Noticiar sobre o envolvimento da velha mídia nos crimes da Lava-Jato é essencial não apenas pela relevância do assunto, mas porque ele é fundamental para expor a batalha mais decisiva, embora oculta: a disputa pela manutenção do monopólio da informação no Brasil nas mãos da velha mídia corporativa e oligárquica. Felizmente, por ora, esse monopólio vem sendo questionado por vozes alternativas.

Por que ao falar de Jornal Nacional omitir o nome de Ali Kamel, seu diretor, que agora se retira deixando um rastro de manipulação jornalística? Por que não apurar e noticiar, citando os responsáveis, por episódios tão decisivos, relevantes e devastadores. Por que tanto escândalo para criminalizar e tanto silêncio cúmplice quando os criminosos são os próprios jornalistas? Quem vai reportar quando quem reporta é também criminoso?

Escrito por:

Jornalista, diretor da Casa do Saber, ex-secretário de Redação e ex-ombudman da Folha, ex-ombudsman da Folha e do iG. Knight Fellow da Universidade de Stanford. Doutor em Letras Clássicas pela USP

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