Eu quero me mudar para o país descrito por Bolsonaro, na ONU

22 de setembro de 2020, 18:16

Sim, eu quero me mudar para o país descrito na ONU por Bolsonaro. Lá, onde ele vive, o presidente se preocupa com as pessoas e lamenta a morte de cada uma das vítimas da Covid-19. Daí poder-se concluir que houve um empenho por parte do governo para que permanecessem vivas, o que infelizmente não foi possível aqui.

Lá em Pindorama, ou que país seja esse onde ele mora, o chefe da Nação respeita os valores nacionais e ama “com fé e orgulho” a terra onde nasceu. A tal ponto que se envaidece do seu discurso na língua pátria. No país em que vivo o presidente não conhece nem sequer o significado das palavras.

 No país de Bolsonaro o chefe de estado coloca a Covid-19 como “centro de todas as atenções”. Que inveja! E tem tamanha visão de suas atribuições, que consegue perceber na pandemia a existência de, não apenas um problema grave, mas dois. Em seu país o vírus e o desemprego caminharam juntos e gritaram por solução. Nem precisava. Foram solucionados “com responsabilidade”.

No país de Bolsonaro o presidente, malvadamente, “por decisão judicial” foi tirado da coordenação das medidas de isolamento social. Porém, cônscio de seu dever, não desamparou os 27 governadores, a quem socorreu com “recursos e meios”. No meu país, teve governador mandando buscar “respiradores” na China, por conta própria. E sabem que o avião teve de fazer escala em Dubai para garantir a chegada da carga? Fosse um presidente igual ao do país de Bolsonaro e ele sozinho comprava tudo, em escala, para baratear o custo e fazer a logística da chegada. É ou não é? Que país, o dele!

E não foi só o poder Judiciário a tentar manietar o chefe de governo. Também a imprensa, (sempre ela), “politizou o vírus”. Mas que imprensa canalha! Com o mantra do “fique em casa, a economia a gente vê depois”, quase joga Pindorama no “caos social” … Assim não é possível. Mas lá estava ele, intrépido, com a sua imagem no telão da ONU, vitorioso, mostrando ao mundo a maravilha de cenário político que o país onde mora foi capaz de produzir.

Em Pindorama, “de forma arrojada”, foram implementadas várias medidas econômicas. Não valia a pena ficar ali expondo contas, esmiuçando números para o mundo. O que importa mesmo é que o presidente “evitou o mal maior”.  Tanto faz que mal era esse, ou de que dimensões. (Ele com certeza não sabia, pois em Pindorama as ações foram rápidas e eficientes. Nem precisou haver testagem). E sabem o que o dirigente dele fez? Sacou do bolso um super programa social e saiu distribuindo para 65 milhões (quase um quarto da população) uma ajuda de mil dólares. Sabe lá o que são mil dólares para quem estava acostumado a conceder meros R$ 200,00, para uma parcela muito menor da população? Um país e tanto, esse de Bolsonaro!

Ao contrário do meu país, onde o governo recusou água potável, álcool gel, remédios e hospitais de campanha para tratar os indígenas doentes – contaminados pelos brancos – no país dele, esse que ele descreveu ao mundo, o governo “assistiu a mais de 200 mil famílias indígenas com produtos alimentícios e prevenção à covid”. Isso é que é país!

Aqui, no país em que moro, os profissionais de saúde não tinham nem sequer equipamentos para se proteger do vírus. Morriam aos montes, indiscriminadamente, médicos e enfermeiras/os. Lá não. Lá ele mandou quadruplicar a fabricação de uma droga milagrosa, que tratava precocemente a doença. E ainda tirou da frente os ministros/médicos que discordaram do uso. Claro! Só atrapalhavam. Um general resolveu tudinho.

E o governante dele, com sua visão de futuro, fez mais. Destinou “US$ 400 milhões para pesquisa, desenvolvimento e produção da vacina de Oxford” … Nada de ficar investindo em vacina daquele país que o meu dirigente não gosta de dizer o nome. Produto chinês? Nem pensar. No país de Bolsonaro ou os produtos vêm de NY ou vêm de Londres. Isso sim, é qualidade.

E tem mais! Em Pindorama, “apesar da crise mundial, a produção rural não parou. O homem do campo trabalhou como nunca, produziu, como sempre, alimentos para mais de 1 bilhão de pessoas”. No meu, onde o governo não se preocupa com gente, os atravessadores fizeram a festa. Compraram arroz dos produtores, exportaram, represaram o estoque e deixaram o preço subir como foguete. Para que pobre quer comer arroz, não é mesmo? Macarrão está aí como um bom substituto.

Pois acreditem. Mesmo fazendo das tripas coração para que os habitantes de Pindorama tivessem do bom e do melhor na crise do coronavírus, o governo de lá ainda foi vítima de calúnia e difamação. Eu se morasse num país como o de Bolsonaro processava esses europeus invejosos, que orquestraram “uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal”. Tudo para derrubá-lo. Com certeza andaram lendo a biografia do Jânio Quadros e resolveram canalizar para cima dele as tais “forças ocultas”. Só para derrubá-lo. Como sabemos, “a Amazônia (…) é sabidamente riquíssima. Isso explica o apoio de instituições internacionais a essa campanha escorada em interesses escusos (…) com o objetivo de prejudicar o governo e o próprio Brasil”.

E, no fim, sabem quem estava queimando o país de Bolsonaro? Os índios e caboclos. Mereciam, como os indígenas do meu país, ficar sem água potável e medicamentos. Fizesse como aqui. Deixasse esse povo nas filas da Caixa Econômica, debaixo de sol, três meses para receber três parcelas de auxílio, e eles aprenderiam. Isto sim, é governo, o de Pindorama! Isto sim, é um país!

Escrito por:

Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora-pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" e "Imaculada", membro do Jornalistas pela Democracia

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