FHC, Ciro e Marina, Figurinhas carimbadas, tentam um “boca a boca” no neoliberalismo para 2022

8 de junho de 2020, 13:57

Com a força de quem conhece a dura realidade das periferias e a garra dos que querem a queda imediata de Bolsonaro, um contingente de milhares de jovens marchou, neste domingo, pelas capitais do país, desafiando a ameaça do contágio por coronavírus. Que ameaça? A mesma que enfrentam todos os dias, nas corridas de moto na função de entregadores, no aperto dos ônibus, que os leva a trabalhos em funções essenciais – e outras nem tanto, mas sob a intolerância dos patrões que os ameaçam com o desemprego.

Durante um certo tempo as imagens das manifestações encheram as telas da TV. Até que um dos canais trouxe para o proscênio três figuras carimbadas da política brasileira. O que fala como sociólogo, mas governou como chefe do mercado financeiro; o que vocifera pela democracia e o restabelecimento de uma economia justa, mas deu as costas para o processo democrático e foi para Paris, e uma terceira, que quando se fez noite sobre o país ela botou um pijaminha e se refugiou em sono profundo.

Enquanto os jovens negros, brancos, indígenas, gritavam palavras pelas ruas palavras de ordem pelo fim do racismo, pelo direito aos indígenas e “fora Bolsonaro”, os três (Fernando Henrique, Ciro Gomes e Marina ) escancaravam numa entrevista à Globo News, os seus propósitos e desejos de “união de todos”, traduzidos e materializados no “Movimento Estamos Juntos”, que assinaram.

O movimento ganhou as páginas dos jornais, num anúncio pago pelo esforço de pessoas físicas, dentre elas Maria Alice Setúbal e Beatriz Bracher, herdeiras do Banco Itaú. Não que não exista desejos de liberdade e democracia entre os ricos, mas a gente fica se perguntando por que não começar a democratizar as taxas bancárias para o público em geral, ou concordar com o imposto sobre grandes fortunas?

O texto pasteurizado, onde não se lia a expressão “fora Bolsonaro” – isto é coisa para os jovens de periferia gritarem nas ruas, devem pensar eles –, se pretendia, segundo o enunciado das matérias dos jornais onde circulou, se dizendo semelhante à campanha das diretas. Aqui é preciso frear o texto e abrir um parêntese. O movimento “Diretas Já”, que reuniu milhões nas ruas das principais capitais, foi motivado pela realização em 1982, em plena ditadura, de eleições para governador, numa tentativa de distensão do regime militar, pelo último general na presidência, João Batista de Figueiredo. Sua tarefa era dar continuidade ao processo iniciado pelo antecessor, Ernesto Geisel.

Um acordo entre os partidos de oposição, em março de 1983, deu força para o surgimento da ideia de eleições imediatas para presidente da República, costurado por: Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Democrático Trabalhista (PDT) e Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Nesse mês o deputado federal Dante de Oliveira (PMDB-MT) apresentou ao Congresso Nacional a emenda constitucional que propunha o fim do Colégio Eleitoral e o retorno das eleições diretas para presidente e vice-presidente para as eleições seguintes, previstas para 1985.

Com o intuito de levar a ideia adiante, em maio daquele ano (1983), o deputado federal Ulisses Guimarães, presidente do PMDB, juntamente com representantes do PT compareceram a um debate político no auditório da Universidade de Goiânia, levando o tema das diretas. O evento atraiu grande número de pessoas, que, em seguida, ocuparam as ruas da cidade, podendo este ser considerado o primeiro e mais espontâneo comício pelas diretas. A emenda saiu derrotada em votação na madrugada de 25 de abril de 1984, mas a campanha marcou a derrocada da ditadura.

Foi assim, sem dirigismo, sem manifestos ou assinaturas que nasceu o movimento “Diretas Já”, ocupando daí por diante todo o país. Por isto fica impossível comparar esta banana com aquela laranja. A “banana” em questão foi redigida por um grupo, sem consultas aos potenciais signatários e tinha um propósito. Este foi finalmente explicitado ontem, no canal de TV, enquanto as ruas faziam no chão o trabalho que esse trio há muito não está disposto a realizar: manifestar, comparecer, fazer exibição das figuras.

No conforto dos seus lares bem decorados, se puseram ao exercício de, sem mencionar os nomes de Lula ou da ex-presidente Dilma, atacar e desgastar os que não assinaram o manifesto ou não se juntaram aos neoliberais que mandaram publicar, com a assinatura de pessoas de boa vontade e boa-fé, de todos os matizes, – que no desespero de se livrar “disso tudo que está aí” -, toparam colocar seus nomes sob um texto “inofensivo”.

O que a presença dos três deixou antever foi a formação de uma aliança para fazer “respiração boca a boca” no “centro” desmilinguido pelos índices alcançados na eleição de 2018. Ao tentar ressuscitar uma alternativa fresquinha, longe do suor desta juventude aguerrida das ruas, é preciso lembrar, porém, a frustração atravessada na garganta desses três desde 2018. Marina, com seus 1% ficou atrás até mesmo do estreante Cabo Daciolo, que obteve 1,26%. Quanto a Geraldo Alkimin, o representante do partido de FHC e da galera da elite que explora esses jovens manifestantes, contentou-se com 4,76%. Quanto a Ciro Gomes, trancou no armário os 12,47 % e foi para a Europa descansar.

Agora, na TV, tentam desenhar um Lula ressentido – quando não fizeram como Ulysses Guimarães e outras lideranças, em 1983, chamando um seminário para discutir os rumos de uma aliança englobando todas as forças. Posam de baluartes da democracia, com frases de efeito do tipo: “Nós vamos defender a democracia brasileira e quem não vier é traidor” (Ciro Gomes). “Este é o momento de uma agenda ampla que caiba todos nós” (Fernando Henrique Cardoso). “Temos que fazer esse esforço em nome do princípio da precaução, para não lamentar depois se cairmos em alguma armadilha”.

Armadilha é ignorar que uma frente ampla engloba a todos desde o seu nascimento, com uma discussão direta e honesta. Armadilha é tentar introduzir na pauta do desespero de uma pandemia uma agenda neoliberal de ressurgimento de uma força contrária ao que está sendo pedido nas ruas. Armadilha? Até onde Marina pensa que o poço pode ser cavado? Nós já estamos nele, minha cara. Tire o pijaminha e venha ver a realidade do Brasil.

Escrito por:

Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora-pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" e "Imaculada", membro do Jornalistas pela Democracia

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