Folha tenta separar Bolsonaro e Eduardo, como se fossem de facções diferentes

16 de agosto de 2025, 20:17

Essa é a manchete calhorda da Folha, sobre a mais recente pesquisa do Datafolha a respeito dos ataques de Trump ao Brasil, que até o grupo Globo classifica como chantagens: “Para 35%, culpa do tarifaço é de Lula; 22% acham que é de Bolsonaro, e 17%, de Eduardo, diz Datafolha”.

Sobre a mesma pesquisa, essa é a manchete também meio calhorda do Globo, mesmo que faça a conta certa: “Datafolha: 35% acham que culpa do tarifaço é de Lula; para 39%, responsabilidade é da família Bolsonaro”.

Por que meio calhorda? Porque é óbvio, não só sob o ponto de vista da mais elementar regra do jornalismo, que a manchete deveria estar focada na responsabilização do pai e do filho, que têm 39% de citações.

Lula, com 35%, virou manchete por quê? Por que o número da família, como informa o Globo, é o mais alto, mas vira informação secundária?

Mas o UOL, do mesmo grupo Folha, faz a formulação correta: “39% culpam família Bolsonaro por tarifaço; 35% responsabilizam Lula”.

No caso da manchete da Folha, nem precisa explicar. Se Bolsonaro e o filho somam 39%, como dar separados os índices de cada um, como se fossem membros de facções diferentes?

E o que significa a culpa que aparece como resultado da pesquisa, que o próprio jornal informa assim no texto que segue?

“O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é visto como o principal culpado pela sobretaxa aplicada ao Brasil por 35% dos entrevistados”.

Culpado como? Culpado em que sentido? Por que Lula seria culpado? O que as pessoas entendem de uma pergunta sobre culpa? Culpado por ter provocado a crise?

Culpado por ser visto como inimigo do neofascismo americano? Por ter reagido? Um religioso, que lida com o sentimento bíblico da culpa, poderia explicar melhor.

O que nos consola é que não foi preciso aparecer um jornal de esquerda para desmontar a farsa da formulação da manchete da Folha.

O Globo destruiu a manchete dos colegas, ao somar os 22% que põem a culpa em Bolsonaro com os 17% que culpam Eduardo.

Com um detalhe: a Folha informa, no mesmo texto, o seguinte sobre pai e filho: “Juntos, somam 39%”. Faz a soma que o Globo fez, mas esconde e não dá em manchete.

Estudantes de matemática de segunda série sabem que, se o Datafolha oferece duas opções à direita (Bolsonaro e o filho), as escolhas serão divididas e diluídas entre eles. Se há fracionamento, dificilmente um deles teria maioria.

Mais um detalhe: com todas as informações centradas no protagonismo de Eduardo, como o sujeito que conspira contra seu próprio país, é surpreendente que ele tenha apenas 17% de “culpa”.

O que reafirma que a grande maioria tem percepção precária sobre o que está acontecendo. Tanto que Alexandre de Moraes, com 15% de culpa, quase compete com Eduardo.

A pesquisa sobre o tarifaço, divulgada em 4 de agosto, quando 57% condenavam a medida de Trump, dá uma pista: somando quem se diz mais ou menos informado, mal informado ou que não tomou conhecimento do assunto ou não sabe opinar, o índice chega a 68%. Os que se consideram bem informados são apenas 32%

O Datafolha ouviu mais de dois terços de eleitores que sabem pouco ou não sabem nada sobre o que estão opinando. E aí a pergunta é acionada de novo: para que servem essas pesquisas?

  • Imagem gerada em IA: Jair e Eduardo, uma família cujos interesses comuns nem a mídia consegue apartar.

Escrito por:

Moisés Mendes é jornalista de Porto Alegre e escreve no blogdomoisesmendes. É autor de ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim). Foi editor de economia, editor especial e colunista de Zero Hora.

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