
Kim “Jong-un” Kataguiri quer que o Brasil fabrique a bomba atômica: o factóide “explosivo” virou um peido alemão

Em mais uma demonstração de que, para aparecer na mídia, tentar gerar controvérsia e sair do modo invisibilidade de seu mandato Gasparzinho, nem é preciso propor algo coerente — basta que sua assessoria elabore algo tosco o suficiente, ainda que irresponsável -, o fundador do grupo de direita Movimento Brasil Livre (MBL) e deputado federal Kim Kataguiri (União-SP) ressuscitou o velho artefato – literalmente, no caso – do factóide. Propos uma mudança na Constituição para permitir que o Brasil fabrique bombas atômicas. Algo tão imbecil que precisei checar se não era fake news, vinda de um especiaista em fake news.
Aparentemente, patriotismo agora se mede pelo potencial de detonar o planeta (ou pelo menos de entrar nos trending topics) ou puxar o saco das Forças Armadas, que já se contentam com um submarino de propulsão nuclear. Mas é algo que combina muito bem com seu caráter dúbio, sua cabeça pequena – capaz de comparar a série sul-coreana “Round 6” a propaganda socialista e a dizer que Karl Marx teria “percebido seus erros” ao “presenciar a Primeira Guerra Mundial” (1914-1918), sendo que o filósofo morreu em 1883 – e sua carreira fabricada ao lado de figuras torpes, como Mamãe Falei, Renan Santos e Guto Zacarias. Arsenais nucleares à parte, o factóide “bomba” de Kataguiri só segue o manual do deputado idiota para tentar fazer barulho – bum! -, mas não passou de um peido alemão.
O absurdo começa já no princípio constitucional vigente: a Constituição de 1988 determina que “toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional” – artigo 21, inciso XXIII, alínea “a”, da Carta Magna. Kataguiri achou mesmo que ia convencer gente a mexer na Constituição para poder dar um gás na sua “carreira”? Ora, isso foi pensado para impedir exatamente o tipo de viagem que estamos vendo – liberar a produção de armas de destruição em massa com uma canetada. A simples proposta de suprimir “fins pacíficos” é abrir mão de qualquer pudor civilizatório, é dar um bico na pomba da paz.
O “Festim Diabólico” de Kataquiri virou um “Professor Aloprado”, tudo em nome de enrolar o eleitor e a opinião pública, colocando seus pés de barro num cimento de secagem rápida. Não colou, Kim, especialmente num mundo que quer se livrar de guerras, de mísseis, drones inteligentes, aviões invisíveis – exceto, claro, a indústria bélica, que anda em festa. E o mais bizarro é que, na justificativa de sua PEC, Kataguiri argumenta – pasmem! – exatamente o oposto: que o cenário internacional está sendo marcado pela “retomada da lógica das potências nucleares como instrumentos centrais de dissuasão e equilíbrio estratégico” – e que é preciso igualar o jogo. “Nesse contexto de instabilidade”, diz nosso Oppenheimer, “observa-se que as grandes potências utilizam o domínio do armamento nuclear não apenas como mecanismo de proteção nacional, mas também como instrumento de negociação política e econômica no cenário global”. Poderia ter resumido: já que o paiol está pegando fogo, esquece a água e traz a gasolina. É um pacifista nato.
Há também uma ironia brutal no discurso de vulnerabilidade: reclama-se da “ausência de dissuasão” como se isso fosse a fonte de todos os males, ignorando que o Brasil, sob uma Constituição que protege direitos humanos, soberania diplomática e cooperação, já exerce papel relevante mundialmente. E esse é o discurso do atual governo, do qual é, obviamente, opositor. O que iam dizer nas festinhas do MBL se ele mostrasse um projeto falando em desarmamento? No mínimo, o jogariam na piscina de bolinhas.
O país tem problemas urgentes: pobreza, fome, educação, saúde — mas ao invés de propor uma PEC para isso, propõe-se uma PEC para fabricar o apocalipse em miniatura. Além disso, propor revogar tratados internacionais de não perseguição nuclear e sair de compromissos internacionais não é só irresponsável — é suicídio diplomático. Se a ideia é “ser respeitado” no mundo, fabricar escudos nucleares dificilmente vai acelerar convites diplomáticos, acordos comerciais ou confiança internacional. Vai mais pra risco de sanções, isolamento, talvez até retaliação — exatamente o tipo de “ameaça” que servirá de desculpa depois de iniciado o show.
Por fim, se realmente isso avançasse – o que não vai acontecer – seria símbolo de uma contradição extrema: um Brasil pobre, com desigualdades gritantes, crises ecológicas, sem infraestrutura decente, investindo recursos colossais numa bomba, para quê? Para “dissuadir”? Para “mostrar força”? O que se mostra aí é a fraqueza do debate político, que prefere apostar em espetáculo bélico em vez de oferecer soluções reais, tangíveis e humanas. Se a proposta é absurda, é também perigosa. Sem perceber, com sua PEC da Bomba Atômica, Kim se aproxima da lógica de outro Kim, Jon-Un, o líder da socialista Coreia do Norte, que só aumenta o arsenal nuclear – é um dos nove países que possui a bomba atômica, junto com Estados Unidos, Rússia, China, França, Reino Unido, Índia, Paquistão e Israel – e diz que desnuclearizar o planeta é uma bobagem.
Kim, Monark e Hitler
Para não dizer que não falei de espinhos, vamos lembrar quem é a flor Kim Kataguiri. O Movimento Brasil Livre, organização de direita que ganhou notoriedade nacional promovendo fake news, foi criado por ele – e um grupo de palermas. Viveu seu, digamos, momento BBB, durante o golpe de 2016, entre o final de 2014 e 2016, quando deixou usar seu MBL para servir de massa de manobra para os partidos de direita, parlamentares golpistas e a notória FIESP e seus patos promoverem protestos que contribuíram para o impeachment de Dilma Rousseff.
Kim protagonizou seu melhor momento na vida nacional fora do plenário do Congresso – prestando, indiretamente, um serviço ao país. Foi quando, ao participar, em fevereiro de 2022, do podcast Flow, então integrado por Igor 3K e Monark, insuflou um animado debate sobre liberdade de expressão. Tudo ia bem até Kataguiri, para alegria de Monark, afirmar que achava errado que a Alemanha tivesse criminalizado o nazismo depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), durante a qual o governo liderado pelo genocida Adolf Hitler promoveu o extermínio de milhões de judeus e outros grupos. As declarações foram amplamente repudiadas e Monark expulso do Flow – hoje expressa seu fascismo em um podcast solo.
Como tudo nesse país, Kataguiri só precisou deixar a poeira baixar e seguiu com seu mandato medíocre. Agora, munido da PEC da Bomba Atômica, que não passaria num plebiscito na Liberdade, pacífico reduto oriental da capital paulista.
- Imagem gerada em IA a partir de uma foto de divulgação.