
Não naturalizemos o fascismo, não naturalizemos María Corina Machado

O NOBEL NÃO É UM PRÊMIO concedido por uma comissão multilateral de notáveis, representativa da diversidade global. Apesar das indicações para o Nobel da Paz serem feitas por governos, instituições de sociedades de todos os países e personalidades várias, a decisão final é do Comitê Nobel Norueguês, composto por cinco membros escolhidos pelo parlamento local. Ou seja, o viés final é de um país do Norte global.
ASSIM, A DISTINÇÃO É TÃO UNIVERSAL como o Oscar e o concurso de Miss Universo, ambos concedidos respectivamente pela indústria cultural e pela indústria de beleza dos Estados Unidos. Por sorte, o de Miss Universo, certame de clara inspiração machista e caudatário de padrões de beleza estabelecidos pela estética do mundo branco, entrou em franca decadência nas últimas três décadas, graças, entre outras coisas, ao avanço da luta feminista.
EMBORA FIGURAS EXECRÁVEIS como Henry Kissinger e Teddy Roosevelt já tenham sido contemplados pelo Nobel da Paz, o prêmio dado a María Corina Machado – personalidade da extrema-direita global e signatária de manifestos com gente da estirpe de Javier Milei, Eduardo Bolsonaro, além de notórios extremistas e sionistas – mostra algo pior.
TRATA-SE DA NATURALIZAÇÃO DO FASCISMO num grau inédito, desde os anos 1930. Adolf Hitler e Benito Mussolini, antes da II Guerra Mundial, eram personalidades de prestígio no mundo político e empresarial do Ocidente. Figuras como Winston Churchill, Henry Ford e Charles Lindbergh chegaram a expressar simpatias pelo fascismo e empresas como Volkswagen, BMW e Mercedes, além da grife Hugo Boss, viram no regime alemão a oportunidade de crescerem de forma fulgurante, através do uso da mão de obra cativa dos campos de concentração.
A VISÃO DE MUSSOLINI COMO O HOMEM que trouxe prosperidade à Itália, deu eficiência aos serviços públicos e recuperou monumentos históricos espalhou-se não apenas pelo país, mas por italianos do mundo todo. Meu bisavô, que chegou ao Brasil em 1886, voltou encantado de um périplo por seu país natal, quarenta anos depois. A miséria que conhecera na juventude parecia ter sido eliminada, contou na volta, graças à operosidade do Duce.
A NATURALIZAÇÃO E ATÉ A EXALTAÇÃO da extrema-direita como padrão de eficiência e desenvolvimento foi fundamental para sua legitimação há quase um século. O mesmo movimento avança na atualidade com a cobertura distorcida da mídia ocidental do massacre em Gaza, da visão de que Javier Milei é um campeão do mercado e de que Donald Trump pode defender o “mundo livre” da selvageria chinesa e russa.
AGORA A NATURALIZAÇÃO DO FASCISMO chegou ao Comitê do Nobel, ao premiar a extremista venezuelana. Embora Donald Trump, pessoalmente, tenha se mostrado contrariado com a escolha, a indicação partiu de um proeminente membro de sua equipe.
NÃO HÁ COMO DISSOCIAR A PREMIAÇÃO da crescente ameaça militar desencadeada pela Casa Branca contra a Venezuela. O país sofreu cinco tentativas de golpe de Estado desde 2002. A todos María Corina apoiou ou ajudou a articular. A ação militar representa algo inédito na América do Sul: os EUA jamais invadiram país algum do subcontinente. O que fizeram foi estabelecer alianças internas com setores empresariais, militares, religiosos, de imprensa e mesmo sindicais para fomentar articulações de ruptura institucional.
NA AMÉRICA CENTRAL o panorama foi distinto. A partir da Guerra Mexicano-Americana (1846-48), os Estados Unidos invadiram todos os países da região, alguns mais de uma vez, para depor governos, colocar títeres em palácio e para proteger seus grandes e pequenos interesses.
A ESCOLHA DE María Corina Machado mostra a direção do Nobel juntando-se à esquadra imperial e cumprindo a vergonhosa missão de passar o pano para o fascismo internacional. Entram no pacote dirigentes da Europa Ocidental, como Ursula von der Leyen, presidenta da Comissão Europeia, António Costa, presidente do Conselho Europeu, Friedrich Merz, chanceler alemão, Emmanuel Macron, presidente de França, e Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente de Portugal, entre outros. As decrépitas metrópoles se juntam ao Império para agir nas antigas colônias.
NÃO É POSSÍVEL HESITAR. A ofensiva contra a Venezuela não diz respeito apenas àquele país. É uma grande batalha contra a dominação externa, contra a supremacia do colonialismo high-tech e em defesa da soberania de toda a América Latina. Não importa neste momento a direção política do país atacado: o perigo se coloca diante de todos. Subestimar a agressão do Norte Global em suas múltiplas facetas não nos levará a bom termo.
- Imagem gerada em IA