O fim da coalizão amarrada com arame farpado

27 de junho de 2025, 00:51

Pararam de dizer que Flávio Dino, o caçador de emendas, daria um jeito nas facções que chantageiam o governo. Agora, dizem que Alexandre de Moraes pode salvar o decreto do IOF. O Supremo continuaria fazendo o que a política é incapaz de fazer.

Dino sozinho não irá conter a fome do centrão e do fascismo por dinheiro. Assim como o STF todo, e não só Moraes, talvez não tenha mais bambu para uma guerra que era de flechas, mas agora é de drones.Play Video

Hoje, com o que está aí, parece que não há mais o que fazer. Até o estagiário do gabinete de Hugo Motta sabe que o conflito é mais do que pontual. Direita e extrema direita, as velhas e as novas, andavam de mãos dadas. Agora andam abraçadas.

Moraes vai levar o processo até o desfecho das condenações dos chefes militares golpistas. Mas não há como, hoje, nesse momento e nesse ambiente, conter pela política a caminhada dos civis que os sustentaram, desta vez na direção de outro golpe, pelo voto.

E o que pode existir de surpresa nessa caminhada? Nada. Zero de surpresa. As facções seguem o rumo ditado por seus corações. O Congresso é dominado por dois terços de direita e extrema direita, sem que se saiba o que pode ter restado do que era o centro. Até o PSB vota contra o governo.

Esses dois terços se reproduzem nas composições das Assembleias Legislativas. E são os mesmos dois terços que controlam as Câmaras de Vereadores, de Barbacena a Alegrete, com exceções cada vez mais excepcionais.

Lula no poder é uma distorção dessa realidade. Por ser desde sempre maior do que os partidos de esquerda somados e porque sinalizava com a perspectiva de poder à direita que a ele se agregou pela terceira vez, mesmo que com novas feições.

O brasileiro comum não sabe, e talvez nem esteja interessado em saber, que dos 38 ministérios de Lula só 12 são do PT. Que nove dos ministros não têm vínculos formais com partidos, como é o caso de Ricardo Lewandowski na Justiça.

E que a maioria dos outros 17 ministérios está nas mãos da velha direita e da nova direita com conexões com a extrema direita. O Republicanos, que está no governo, é o partido de Tarcísio de Freitas, Hugo Motta e Hamilton Mourão.

O União Brasil, que também tem gente no governo, é o partido de Ronaldo Caiado. Em algum momento – a maioria talvez esperasse que fosse mais adiante –, eles iriam transformar as mãos dadas em abraços e beijos, andando na direção de 2026.

O que tivemos nos dois primeiros governos de Lula e nos dois governos incompletos de Dilma não existe mais. Porque a direita das emendas governa via Congresso, sem depender só da partilha de poder do governo.

Governa com emendas, com fundo partidário e com tudo o que dessa dinheirama vai para desvios e manobras dos poderes paroquiais dessa gente. Flávio Dino vem tentando conter os seres desse mundo. Governar no atacado, e no varejo que importa, não significa mais, há muito tempo, estar dentro do governo.

Governar é exercer o poder cotidiano, sempre na perspectiva do ganho eleitoral. E as sondagens eleitorais indicam hoje que é possível fragilizar ainda mais o governo e começar a construção do projeto para 2026, depois das derrotas na eleição e no golpe.

Parece complexo, mas é simples. O suporte de sustentação do governo sempre foi arrendado, pela possibilidade de trocas. Você me dá ministérios, poder, verbas e cargos subalternos e nós vamos gerindo do jeito que dá suas demandas no Congresso. Mas só enquanto você estiver forte.

O sistema de trocas das coalizões anuncia seu esgotamento, no terceiro governo Lula, antes do tempo. Porque a direita se convenceu de que existem ambiente, humores e nomes capazes de enfrentar Lula em 2026, usando o que foi reciclado do bolsonarismo.

Ir em frente significa fazer Lula sangrar, mesmo que com algumas concessões eventuais. A direita pode ter estabelecido neste inverno os limites de ação do governo e do Supremo. Daqui vocês não passam mais, porque estamos no comando.

Chegamos às vésperas de uma situação esdrúxula. Os chefes do golpe estarão presos, inclusive os militares, e seus subalternos, aspirantes e ajudantes civis estarão a caminho da reconquista do poder. Não mais necessariamente via conquista do Planalto, mas pelo Congresso.

Outro cenário esquisito não pode ser desprezado. Os eventuais derrotados em 2026 à Presidência, mas donos do Congresso, poderão ser chamados de novo para ajudar Lula a governar a partir de 2027.

Teremos uma coalizão com derrotados, amarrada com os arames farpados que sobrarem do terceiro governo. Voltar a conversar com o povo poderia nos salvar, mas o povo do século 21 não quer saber das conversas do século 20

Imgem de arquivo – de novo – de Lulan no Congressso Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado.

Escrito por:

Moisés Mendes é jornalista de Porto Alegre e escreve no blogdomoisesmendes. É autor de ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim). Foi editor de economia, editor especial e colunista de Zero Hora.