Mauro Cid, Augusto Heleno e Walter Braga Netto (Foto: Agência Senado | ABR)

O protagonismo militar no governo Bolsonaro e o descrédito das Forças Armadas

9 de fevereiro de 2024, 20:41

As investigações da PF sobre a fracassada tentativa de golpe de estado articulada por Bolsonaro revelam ao país o pântano em que oficiais de alta patente se meteram e o abismo em que quase nos lançaram. Não só eles. O fato é que, em maior ou menor grau, todos os militares, sejam eles generais, almirantes, tenente-brigadeiros, oficiais de baixa patente, que nos últimos anos se curvaram aos caprichos ditatoriais de um presidente tosco, violento, limitado intelectualmente e ligado às milícias cariocas, têm seu grau de participação nesse estado de coisas violento e golpista que vivenciamos nos últimos anos.

O vídeo da reunião ministerial de 5 de julho de 2022, mesmo já estando todos nós bem conscientes da verve golpista de Bolsonaro – vide a reunião anterior, do “passar a boiada” – é estarrecedor, mas também revelador. Escancara como crimes, coações, manipulação e ofensas se enraizaram no cotidiano de militares durante o governo Bolsonaro. Cito aqui a fala do General Augusto Heleno, que sem o menor constrangimento, afirmou que iria infiltrar agentes da ABIN nas campanhas eleitorais dos opositores, ao que foi repreendido por Bolsonaro – não pela gravidade e ilegalidade da pretensão, mas por receio de que a fala “vazasse”.

Não muito diferente foi a conduta do General Braga Netto, que perseguiu, coagiu e ofendeu o então Comandante do Exército, General Freire Gomes, chamado de “cagão”, por não ter aderido ao projeto golpista. As ações ilícitas dos fardados instalados no (des)governo foram muitas: o ajudante de ordens da presidência, tenente-coronel Mauro Cid e seu pai, o general da reserva Mauro Lourena Cid, que se envolveram na venda ilegal, a pedido de Bolsonaro, de joias presenteadas ao estado brasileiro pela Arábia Saudita. Isso sem falar em Pazuello, Bento Albuquerque e tantos outros.

Durante o governo anterior, milhares de fardados ocuparam cargos em órgãos da administração pública e estatais, superando até mesmo o período da ditadura militar. Nessa militarização do serviço público civil, só quem se beneficiou foram os próprios militares, que acumularam ganhos e vantagens. Obviamente, sonhando em preservar suas “boquinhas” e privilégios, foram presas fáceis do projeto golpista dos Bolsonaro. Como Mauro Cid, que até falsificou carteira de vacinação da COVID para o chefe e sua família.

Entrar no pântano foi fácil, difícil será sair dele, enlameado e longe de uma possível condenação. A expectativa de um perdão da Nação pela participação, ativa ou não, em um projeto de derrubada do Estado Democrático de Direito, espero, se frustrará. Não nos esqueçamos de que toda essa trama golpista contou com a participação de oficiais das forças armadas. Prova disto foi a operação Tempus Veritatis, que domina os noticiários desde quinta-feira. Houve efetivo envolvimento dos militares: o fato de terem ouvido a trama golpista e não terem prendido quem propôs, é crime e é grave; o fato de terem silenciado quando sabiam do propósito, é crime também, e é grave.

A frase da vez é a mesma: “sem anistia!”. Não devemos nada aos militares. Estejamos certos de que Bolsonaro não é causa, é consequência da ação dos fardados e da falta de um acerto de contas histórico com as forças armadas. Eles nos devem. Nos devem vidas perdidas no passado remoto e no passado recente, nos devem explicações. Mesmo após a ditadura, nos acossaram, nos ameaçaram – quem se esqueceu do tweet do ex-comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, intimidando o STF na véspera do julgamento do habeas corpus impetrado pelo então ex-presidente Lula?

Ou seja, militares formados e remunerados à custa do meu, do seu, do nosso dinheiro, preparados em estratégias especiais de guerra para a defesa do país contra possíveis inimigos externos, se lançam contra o próprio Estado, tentando reiteradamente solapar a democracia. 

Desta vez, o golpe falhou, e falhou feio. É hora de um acerto de contas histórico, não falo de perseguição e revanchismo, mas de reestruturação, de finalmente se colocar e manter os militares no espaço que a Constituição Federal lhes reservou e determina, para que nunca mais se arvorem de tutores da República.

Escrito por:

Jornalista com passagem pelas principais redações do país: Folha de São Paulo, JT, TV Globo, TV Manchete, TV Cultura, TV Gazeta, TV Brasil, TVE/RIO, Rede Minas, Rádio Eldorado, Rádio Tupi, Rádio Nova FM, Rádio Musical e colaborador do El País Brasil e Brasil 247

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