Manual do negacionismo reforça teses de Bolsonaro

9 de janeiro de 2021, 22:23

Na semana em que o país atingiu a triste marca dos 200 mil mortos pelo coronavírus, está sendo disseminado nas fileiras das Forças Armadas, um livro lançado pela “ManHood Brasil Edições”, de autoria de Alessandro Loiola, sob o título “Covid-19: a Fraudemia” seguido da frase, como subtítulo: “Uma visão pela janela do maior embuste de todos os tempos”. A obra, de 195 páginas, é um verdadeiro “manual do negacionismo” e contém todas as platitudes repetidas por Bolsonaro ao longo da pandemia. Tivesse ele o hábito da leitura e poderíamos dizer que este é o seu livro de cabeceira.

O conteúdo é composto de um festival de “recorte e cole” de pesquisas feitas na Internet, e informações tiradas não se sabe bem de onde, com toda a pinta de teorias da deep web.

N abertura, um texto adverte: “Todas as opiniões expressas neste livro são de minha inteira responsabilidade, não cabendo às pessoas que influenciaram sua confecção qualquer parcela deste ônus”.

E, claro, agradecimentos: “Dito isto, é educado reconhecer que esta obra não teria surgido sem a inspiração trazida por grandes amigos, como meus colegas médicos Ernani Giannini Filho e Jorge Emerson Estefan; meu saudoso irmão fotógrafo Leandro Korolkovas (in memorian), e meu confrade de colóquios holistas, Sílvio Hofstetter. Tampouco existiria em sua completude sem as excelentes conversas que tive com o advogado e escritor Renato Rodrigues Gomes e com o cientista Ricardo Augusto Felício.

Devo muito à interação e cortesia de comunicadores e jornalistas como Fernando Beteti, Liliane Ventura, Luciano Pires e Luiz Ernesto Lacombe; assim como devo aos cálculos e raciocínios incríveis de Lorenzo Ridolfi, e à garra dos profissionais de saúde e parceiros

incansáveis no front da luta contra o Covid-19 nas Unidades de Pronto Atendimento do litoral norte de São Paulo”.

O fecho da introdução é uma auto propaganda: “finalmente, nenhuma dessas páginas teria qualquer sentido sem as dezenas de milhares de pessoas que me seguem nas diversas redes sociais. Sem saberem disso, esses “soldados anônimos” colocaram na minha frente, dia após dia, o sentimento inegociável de que devemos defender a Verdade e o que é Bom e Correto a despeito de qualquer obstáculo ou contingência. A cada um de vocês, sou profundamente grato. Que Deus os abençoe.”

Depois desse “elenco” de colaboradores, Alessandro Loiola mete o pé nos princípios científicos larga e cuidadosamente difundidos pelos pesquisadores das grandes universidades e institutos brasileiros, nos diversos veículos e canais de TVs, tanto os tradicionais, como os alternativos, a fim de orientar a população sobre como proceder durante a pandemia. O resumo do que o livro de Alessandro, nos diz, é: esqueçam tudo o que ouviram dos especialistas.

Os que se debruçarem sobre as suas páginas poderão aprender, por exemplo, que o uso da máscara é “um equívoco”, o isolamento social “um embuste” e a suspensão das aulas nas escolas de todo o país, um atraso de vida. E, o mais importante: o uso da cloroquina, um acerto.

Pelo índice, já dá para ter uma noção da grande “aventura” com a qual o leitor vai se deleitar ao longo dos capítulos: O Covid-19 faz a sua estreia; O equívoco do Lockdown;

O equívoco do fechamento das escolas; O equívoco do distanciamento social; O equívoco das máscaras; O equívoco do não tratamento (é aqui que a cloroquina pontua – grifo meu); O equívoco dos testes (não foi por acaso que apodreceram num galpão de Guarulhos); O equívoco das vacinas (olha aí onde reside a teoria da inutilidade delas!) e, por fim,Os custos e os lucros da soma dos equívocos.

Com todos esses ingredientes, o livro de Loiola transformou-se em “leitura obrigatória”, um verdadeiro best seller, entre os adoradores do “mito”. Cada capítulo é aberto com a frase de um “pensador”, e no conteúdo há teses tais como: “Em abril de 2020, uma revisão coordenada por centros Cochrane na Austrália, na Itália, na Índia e nos EUA, concluiu que existiam evidências insuficientes quanto à eficiência de medidas de quarentena como um meio para reduzir a disseminação de vírus respiratórios8. Ao contrário do que ocorreu com o relatório de Neil Ferguson, esta revisão sobre os efeitos do lockdown teve um impacto nulo.”

Ao final, o autor lista o endereço de 47 sites consultados e 15 referências. Certamente vocês estão correndo para adquiri-lo, não é mesmo?

Escrito por:

Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora-pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" e "Imaculada", membro do Jornalistas pela Democracia

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