
Progressismo brasileiro na encruzilhada

Recentemente, vieram à público duas pesquisas cujos dados deixam qualquer brasileiro progressista preocupado.
A primeira delas é a desenvolvida pela Pew Research Center envolvendo 24 países. Por ela, ficamos sabendo que os partidos governistas são amplamente impopulares no Brasil, Grécia, Hungria, Polônia, Espanha, Turquia e Estados Unidos.
No Brasil, as pessoas veem o principal partido de oposição e o partido governista de forma semelhante. É algo que parece estranho, mas que dá uma luz para entendermos a popularidade de Lula em meio às dificuldades que os partidos progressistas apresentam em elegerem maiorias parlamentares ou mesmo prefeitos. Tem algo de personalismo nisso, mas não só. Parece ser um dilema brasileiro, dado que a popularidade do partido Morena no México atinge 78% das declarações dos entrevistados daquele país. Este é o partido da presidente Claudia Sheinbaum.
Este cenário tem relação com o desejo de mudança do sistema político pelos brasileiros. Contudo, grande parte não tem confiança que tal mudança possa ocorrer. Segundo a pesquisa, 40% dos brasileiros encontram-se nesta situação. Apenas 12% acham que o sistema político precisa de pequenas ou nenhuma mudança em nosso país.
O Brasil é um país rico, mas profundamente desigual. Segundo a ONU, figuramos entre os 10 países do planeta com maior desigualdade social. Evidentemente que esta desigualdade debela a esperança de muitos em ter uma vida melhor. Acontece que o PT governa o Brasil pela quinta vez em mais de duas décadas. E, nesse período, se afastou da relação quase umbilical que tinha com movimentos sociais e organismos de sociabilidade da base da sociedade, como foram as Comunidades Eclesiais de Base. Na outra ponta, Lula figura quase solitariamente como o líder político que mais se preocupa com os mais marginalizados do país.
Cito sempre a pesquisa realizada por Walquíria Leão Rego com mulheres que receberam Bolsa Família nas regiões mais pobres do país e que acabou virando o livro “Vozes do Bolsa Família”. A pesquisa revela que essas mulheres acreditam que todo político brasileiro é igual aos seus pares, mas Lula carrega um passado de fome e pobreza, o que o diferencia dos outros. Existe uma identidade de classe ou, se desejarem, de sofrimento. O que aumenta a leitura personalista do líder e de seu governo.
A pesquisa da Pew Research Center apresenta outra notícia ruim para os progressistas: na Europa, alguns dos partidos de extrema-direita se tornaram os mais populares, caso da Itália, mas também do Reino Unido, França, Polônia e Alemanha. Existe um certo apelo antissistêmico que esses partidos carregam, além de uma energia retórica que mobiliza intensas manifestações de rua e debates acalorados. O livro sobre a extrema-direita escrito por Joe Mulhall não leva o título “Tambores à Distância” à toa. A extrema-direita é barulhenta em qualquer lugar e transmite vigor, força e convicção.
A segunda pesquisa é ainda mais desconcertante. A Quaest coletou dados entre janeiro e fevereiro deste ano. Foram entrevistados mais de dez mil brasileiros numa pesquisa domiciliar.
A Quaest partiu do princípio de que o Brasil está polarizado entre petistas e bolsonaristas. E decidiu subdividir esta polarização em seis segmentos ideológicos, identificando valores. A polarização se manteve entre os Progressistas Militantes e os Patriotas Indignados, cada um representando aproximadamente 5% da população brasileira. Entre os dois polos, a Quaest identificou a Esquerda Tradicional, de um lado e os Conservadores Tradicionais, de outro, além dos Desengajados e dos Cautelosos. Os dois últimos segmentos – dos não-polarizados – envolvem 54% da população brasileira.
A primeira constatação da pesquisa, portanto, é que os segmentos mais engajados e vocais são minoritários, apesar de aparecerem em público como muito densos e fortes.
Nos extremos, há temas que os distinguem nitidamente, como o porte de armas. Entre os “patriotas indignados” o porte de armas é defendido por 93% deste segmento. Já entre os “militantes progressistas”, apenas 9% apoiam esta política. Contudo, entre os desengajados e cautelosos entre 38% e 55% se alinham com os mais extremistas de direita. Aqui começam as notícias ruins para o campo progressista brasileiro.
Os Progressistas Militantes são identificados pela pesquisa da Quaest como o mais elitizado: é o segmento mais escolarizado (53% com ensino superior) e o mais rico (37% com renda superior a 10 mil reais). É também o segmento menos religioso (41% ateus) e o mais branco (57%). Essas características demográficas o isolam socialmente do resto do país.
Para quem se deseja popular, é um mau sinal. Sugere que a batalha pela hegemonia (dos valores e ideais) está perdida.
Se para todos outros segmentos a família e fé são preponderantes, para os Progressistas Militantes o valor primordial é a justiça social.
A conclusão da pesquisa é que os progressistas militantes estão insulados.
Estão insulados em diversos temas. Este é o caso da visão sobre educação. São, de longe, os mais críticos à participação dos militares na educação.
Também são os mais favoráveis às cotas, majoritariamente rejeitadas pelos desengajados e cautelosos e radicalmente refutadas pelos conservadores tradicionais e patriotas indignados.
O cenário é ainda mais complicado quando se mede a internalização do discurso extremista contra a “doutrinação” de professores de esquerda.
A pesquisa revela que entre 32% e 47% dos desengajados e cautelosos se aproximam mais da opinião dos conservadores e patriotas que da posição dos progressistas e esquerda tradicional no que tange a esta observação sobre a doutrinação dos professores.
Já o discurso da extrema-direita tem forte apelo por criticar as elites, principalmente as que declaram ser corruptas. Nesta toada, dispensam a intermediação de partidos e instituições.
A pesquisa revelou a disparidade de pensamento a respeito da popularização entre povo decente e elites corruptas. Os progressistas militantes são os que apresentam menor distinção entre um polo e outro.
Também há certa distinção entre o que os progressistas pensam sobre os interesses dos ricos e os outros cinco segmentos identificados pela pesquisa. 90% dos progressistas militantes acreditam que os interesses dos ricos são contrários aos interesses do povo. Embora os outros segmentos acompanhem majoritariamente esta posição, entre 20% e 30% não concordam com esta conclusão.
Enfim, ambas as pesquisas sugerem que o campo progressista se elitizou no Brasil. Não apenas porque é visto pela maioria da população como elite política, mas porque suas ideias não são as mais populares.
Há um certo divórcio com os valores populares, o que denota um desengajamento militante dos progressistas. Em outras palavras, parece que aos membros deste campo basta defenderem seus valores e ideais, não necessitando debatê-los ou tentar convencer a população brasileira.
O fato é que o mar não está para peixe nesta quadra da vida política nacional. Os progressistas, que um dia foram responsáveis por mobilizar grande parte da população na luta por direitos sociais e pela radicalização da nossa democracia, parecem acomodados às suas manifestações nas redes sociais e apoio às petições online.
- Imagem gerada em IA