
Trump faz lobby pelo Nobel da Paz, mas concorre com pessoas como Hind Rajab, menina palestina de 5 anos morta pelas forças de Israel em Gaza

Desde ontem Donald Trump estufou o peito: há um projeto de cessar-fogo entre Israel e o Hamas, mediado pelos Estados Unidos, Turquia, Qatar e Arábia Saudita, que pode ou não ser um ponto de virada nesta fase de limpeza étnica da guerra, que já dura mais de dois anos. Trump realmente enxerga esse sopro de esperança – e trabalha nos subterrâneos por isso – como sua chance de levar para Mar-a-Lago nesta sexta-feira, 10, o Prêmio Nobel da Paz – que, sem modéstia, já disse que merece ganhar. Em setembro passado, ao falar na Assembleia Geral da ONU, transformou seu discurso em campanha aberta: “Todos dizem que eu deveria receber o Prêmio Nobel da Paz”. Todos, quem cara-pálida? Bastará esse lobby grotesco e essas primeiras conquistas – que devem ser divididas com a Turquia, que ajudou no convencimento ao Hamas, além de Qatar e da Arábia Saudita, que têm exercido pressão para que o entendimento seja cumprido – para garantir um Nobel da Paz a Trump? Provavelmente, não — mas sua equipe de lobby não larga o telefone. Numa corrida marcada por critérios nebulosos e por muitos candidatos, esse apelo político enorme — mesmo que frágil em termos de mérito -, tudo pode acontecer. Inclusive, nada.
Se vencesse, Trump se igualaria a políticos como Willy Brandt (1971), Henry Kissinger (1973) – uma das maiores controvérsias que envolve o Nobel da Paz – Menachem Begin (1978), Lech Wałęsa (1983), Yitzhak Rabin (1994), Shimon Peres (1994), Nelson Mandela (1993), Mikhail Gorbachev (1990) e os ex-presidentes norte-americanos democratas Jimmy Carter (2002) e Barack Obama (2009), além de Al Gore, ex-vice-presidente dos EUA (2007). É pra morder o cotovelo de raiva. Também se igualaria a ícones históricos, além de Mandela, como Madre Teresa de Calcutá (1979) e Martin Luther King Jr (1964). Por incrível que pareça, Gandhi, indicado cinco vezes, nunca ganhou. O Brasil nunca ganhou um Prêmio Nobel.
Trump tem contra ele, por exemplo, o apoio permanente ao governo do genocida Netanyahu, desde o início desta fase da matança palestina – o primeiro-ministro israelita procura “sobreviver politicamente”, já que enfrenta um julgamento por corrupção -, e o fato de nunca ter se manifestado na ONU ou outro organismo internacional para denunciar ou propor o fim dessa guerra desigual. Trump também é pai protetor de seu ex-colonizador Reino Unido, cuja intervenção na região, evocando a figura de Tony Blair, sempre reforçou a divisão do Médio Oriente. Além do mais, se o Nobel for jogado dentro das quatro linhas, é bom lembrar que o regulamento do Nobel, se não for rasgado, exige que as nomeações sejam feitas até 31 de janeiro de cada ano, por fatos pré-ocorridos — ou seja, grande parte dos atos que Trump invoca são recentes – e, nesse meio tempo, o TACO ficou marcado não como um “pacificador”, mas por sua forte política anti-imigrantes – Chicago que o diga por esses dias, com a intervenção da Guarda Nacional-, por deportações em massa, o permanente envolvimento em guerras – a ponto de mudar o Departamento de Defesa para “Departamento de Guerra” – e os discursos sobre anexações territoriais e hostilidades comerciais com quase todo o planeta, incluindo o Brasil.
“Ele retirou os EUA da Organização Mundial da Saúde e do Acordo de Paris sobre o clima e iniciou uma guerra comercial contra antigos aliados”, disse Nina Graeger, diretora do Instituto de Pesquisa da Paz de Oslo, à Reuters. Por outro lado, Graeger afirma que Trump poderia ser um candidato forte para 2026 se conseguir encerrar as guerras na Ucrânia e conseguir um cessar-fogo permanente na Faixa de Gaza. A campanha explícita de Trump também pega mal. Essa campanha, entretanto, pode mais atrapalhar do que ajudar. Asle Toje, vice-líder do atual Comitê Norueguês do Nobel, afirmou que o grupo responsável pelo prêmio desaprova tentativas de influência na eleição. “Esse tipo de campanha de influência tem um efeito mais negativo do que positivo. Nós discutimos sobre isso no comitê. Alguns candidatos pressionam muito, e não gostamos”, afirmou, sem comentar o caso de Trump especificamente.
Para que se tenha uma ideia, para 2025, existem 338 nominados para o Prêmio Nobel da Paz: 244 pessoas físicas e 94 organizações. Os nomes dos indicados não são divulgados, justamente para evitar pressões e lobbies, como o que Trump faz descaradamente. Mas especula-se que entre os nomes que estariam sendo cogitados pelos cinco membros da Comissão Norueguesa do Nobel – todos nomeados pelo Parlamento daquele país, que escolhem o laureado e concedem o prêmio -, estaria, curiosamente, o de Hind Rajab, uma menina palestina, de 5 anos, da Faixa de Gaza, que morreu em 29 de janeiro de 2024. Ela estava fugindo de uma área de Tel al-Hawa, em Gaza, com familiares em um carro, quando foi atingida por fogo de um tanque israelense. Todos morreram – ela sobreviveu inicialmente, mas depois perdeu a vida. O carro foi atingido por pelo menos 335 tiros segundo investigações. Paramédicos que tentaram acudir também foram mortos.
Hind foi indicada ao Nobel da Paz deste ano por um professor de direito dos EUA, Khaled Beydoun, junto com a American-Arab Anti-Discrimination Committee, igualmente candidato, com a justificativa de que sua história representa as inúmeras crianças cujas vidas são tiradas em guerras e genocídios. Também teria sido indicada a Hind Rajab Foundation (Fundação Hind Rajab), com sede em Bruxelas, criada após sua morte, e que busca responsabilização legal de indivíduos e instituições por violações de direitos humanos na guerra em Gaza, usando instrumentos como a jurisdição universal. Também especula-se, na Ásia, que seria candidato a Campaign for Uyghurs e “Teacher Li” (Li Ying) — organização ativista que atua em favor dos direitos dos uigures, na China. Minoria étnica, de língua turcomena e maioria muçulmana sunita, os cerca de 12 milhões de uigures, que vivem na Região Autônoma Uigur de Xinjiang, no extremo noroeste da China, vêm, desde 2010, sofrendo violações de direitos humanos e genocídio cultural. Também teria sido indicada a JA Worldwid, organização global que oferece programas voltados ao empreendedorismo, preparo para o mercado de trabalho, educação financeira e desenvolvimento de líderes jovens.
Muitos podem indicar, de ex-ganhadores do Nobel a professores universitários, de chefes de Estado – nada impede que o lobby trumpista tenha pressionado alguns deles – a membros da Corte Internacional de Justiça e da Corte Permanente de Arbitragem, em Haia. Mesmo assim, no jogo de percepções, atos tardios podem pesar: o comitê nunca está imune a pressões externas, embora costume resistir a aparências de espetáculo ou autopromoção. Além disso, o perfil de vencedores recentes mostra um padrão: direitos humanos, construção duradoura da paz, organizações civis ou indivíduos cujas ações persistem no tempo, mesmo sob adversidade. Pense em Nihon Hidankyo, em 2024, que representa vítimas de bombas nucleares no Japão, com ativismo constante pela abolição das armas nucleares. Ou Narges Mohammadi (2023), Abiy Ahmed (2019), entre outros, que conseguiram algo que vai além do acordo imediato: mobilização, sacrifício pessoal, mudança de cultura política. Sem falar, claro, em Malala Yousafzai, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 2014. Ela enfrentou o Taliban no Paquistão, que oprimia a educação de meninas, e, em 2012, quanto tinha 15 anos, foi atingida na cabeça por um atirador enquanto voltava para casa no ônibus escolar. Sobreviveu após receber várias cirurgias e tratamento de reabilitação. Fundou a Malala Fund, escreveu vários livros e percorre o mundo defendendo os direitos das mulheres.
Trump, ao contrário, tem um histórico carregado de iniciativas polarizadoras, rupturas com instituições multilaterais, e uma retórica que frequentemente inflama tanto quanto concilia. Isso pesa — e pesa muito — no comitê norueguês, que tradicionalmente valoriza o caráter ético duradouro, mais do que o resultado simbólico de um dia. O fato de muitos especialistas considerarem improvável sua vitória este ano reforça que ele não reúne consenso global nem credibilidade pacificadora suficiente. Outra pedra no sapato: o timing. A aceitação da fase inicial do acordo Israel-Hamas veio às vésperas do anúncio do prêmio. Muitos proclamam que foi feito quase “às pressas” para impressionar mais do que para garantir estabilidade. E, claro, há dúvidas reais se o cessar-fogo será mantido, se os reféns efetivamente sairão, se condições humanitárias serão restabelecidas de fato. Se tudo isso falhar, e o Nobel premiar Trump, será o prêmio mais injusto da história.
O mundo merece a paz, Gaza merece a paz, mas não um vencedor de Nobel como Trump.
- Imagem gerada em IA