Verás que um filho teu não foge à luta

27 de outubro de 2022, 12:36

Os antigos salões dos saraus e das discussões acaloradas de filósofos e intelectuais, conservadores e transgressores, reacionários e progressistas, foram substituídos pelas salas de discussão virtuais, as Lives.

Enquanto é nas redes sociais, espaços de mais brevidade e leveza, que todos se encontram para exibir vaidades, desfilar saberes, ostentar frivolidades, atiçar invejas, jogar conversa fora, até para formar consciências e – importante – revelar suas almas, muito mais fáceis de se manterem ocultas no presencial, atrás de um belo sorriso ou de um look bem transado.

Uma importante liderança social carioca, detentora de prestígio, tradição e fortuna,  comentou no Instagram considerar “estranhíssimo” que tantos mandatários e luminares estrangeiros se manifestem contra Bolsonaro e em apoio a Lula.

São chefes de estado e de governo, parlamentares, políticos ilustres, pensadores, cientistas, artistas, escritores consagrados, prêmios Nobel, Pulitzer, Camões, lideranças mundiais, até o Papa, a manifestar sua inquietude com o destino que a eleição do dia 30 determinará para o Brasil.

Contrariamente àquela ilustre cidadã de dois parágrafos atrás, eu acho “estranhíssimo” haver ainda aqueles que se omitem, quando o destino deste país poderá significar a esperança de sobrevida ou o infortúnio do próprio planeta.

Mais estranho ainda é ver brasileiros permanecerem impassíveis, até coniventes, ante a desastrosa realidade do desmonte do Brasil, montanha por montanha, a golpes de marreta de cobiça e empurrões de retrocesso.

Quantos anos de luta e vidas sacrificadas para construir esta nação, e vê-la agora ser exterminada, conquista por conquista, instituição por instituição. A Democracia derrubada a machadadas, tal e qual são nossas florestas.

Ao mesmo tempo, sinto-me importante e plena por resistir a isso, sinto-me um verso do Hino Nacional: “verás que um filho teu não foge à luta”.

Lá estou eu, anônima nota musical, subindo e descendo as cinco linhas do pentagrama da pauta, passeando entre agudos e graves na partitura do hino, a plenos pulmões, às vezes allegro, ma non troppo, ora radiosa clave de sol, ora de dó, doendo no peito.

Uma nota isolada, insignificante, que num conjunto de outras notas formamos a melodia desta semana decisiva da História do Brasil.

Verso de ufanismo, orgulho, comprometimento. Conforto por me saber na melhor das companhias. Uma breve nota no coral dos maiores pensadores, criadores, os  mais aguerridos e históricos defensores do Brasil.

Os filhos que não fogem à luta e honram a memória dos Inconfidentes, os bravos da Independência, os arquitetos da Pátria, os abolicionistas, os revoltosos do Guanais, da Cabanada, dos Malês, da Balaiada, da Sabinada, da Revolução Farroupilha. Os destemidos de Canudos, da Chibata, do Araguaia, os heróis de 68 e tantos outros comprometidos com o povo, sacrificados em nome da liberdade, da grandeza do país.

Que nossa Constituição cidadã de 1988 volte a prevalecer contra essa malta de ladrões e malfeitores, que se apossou do Brasil na mão grande, usando a mentira e a tecnologia cyber como armas contra uma população incauta e indefesa.

Sou nada, somos nada, somos o mais comovente verso do hino do Brasil.

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Escrito por:

Formação acadêmica: Conservatório Nacional de Teatro 1967-1969, Rio de Janeiro
Jornalista, atriz e diretora do Instituto Zuzu Angel/Casa Zuzu Angel - Museu da Moda. Manteve colunas diárias e semanais, de conteúdos variados (sociedade, comportamento, cultura, política), nos jornais Zero Hora (Porto Alegre), O Globo, Última Hora e Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), onde também editou o Caderno H, semanal.
Programas de entrevistas nas TVs Educativa e Globo.
Programas nas rádios Carioca e Paradiso.
Colaborações e/ou colunas nas revistas Amiga, Cartaz, Vogue, Manchete, Status, entre outras publicações).
Atriz de Teatro, televisão e cinema, de 1965 a 1976
Curadoria de Exposições de Moda: Museu Nacional de Belas Artes, Museu Histórico Nacional, Itau Cultural, Paco Imperial, Casa Julieta de Serpa, Palacio do Itamaraty (Brasilia), Solar do sungai (Salvador).
Curadoria do I Salao do Leitor, Niterói

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