Nikolas faz vídeo sobre fraude no INSS e usa IA para envelhecer.

Falta na esquerda alguém que possa duelar com Nikolas

10 de maio de 2025, 18:46

Anunciaram com alguma pompa que ‘líderes governistas’ produzem um dossiê com informações comprometedoras contra Bolsonaro, para provar que as fraudes dos descontos dos aposentados no INSS começaram em seu governo. Vai resultar no quê? Nada. Zero.

Dossiês e relatórios têm serventia relativa, quase nula, no mundo do tiktok. O relatório da CPI da Pandemia, com os nomes de 79 citados por crimes diversos, tinha 1.180 páginas. Foi entregue ao Ministério Público em outubro de 2021. Tinha o poder de um dossiê, mas era um documento, um inquérito formal. Não deu em nada. 

Um dossiê contra Bolsonaro, com informações coletadas por equipes de especialistas em identificar delitos graves, não vale um vídeo de 30 segundos produzido por Nikolas Ferreira contra Lula.

A produção do dossiê vai mobilizar um monte de gente durante um bom tempo. Nikolas faz o vídeo com um celular e um tripé em poucos minutos. E sem roteiro produzido por assessores. 

Se quiser, o deputado pode produzir um vídeo para cada caso que surgir com problemas para o governo resolver. Um vídeo por semana, com qualquer pauta. 

Os vídeos e os cortes são o à la minuta do fascismo. Vídeo da direita é um produto fácil de fazer e fácil de consumir e digerir. E todos gostam e olham, inclusive as esquerdas e a grande imprensa. O Globo deu manchete para Nikolas nesse sábado. Saiu assim no alto da capa da versão online:

“Reação da ‘tropa de choque’ de Lula atinge apenas 4% do alcance de vídeo de Nikolas”.

O que Nikolas fez foi um vídeo, e o governo reagiu com uma tropa de choque. No mesmo sábado, Lula apareceu no pé das páginas online dos jornalões, quase escondido, com a declaração dada em Moscou de que os rolos no INSS começaram com Bolsonaro. Assista: https://x.com/nikolas_dm/status/1919893528747909576

Lula falou no desbaratamento de uma quadrilha. A palavra quadrilha não aparece nos títulos da notícia. Mas a tropa de choque está na manchete do Globo.

Lula não conseguirá oferecer respostas a Nikolas, por mais sensatas e esclarecedoras que sejam, porque não é nisso que o presidente deve se meter. Essa é uma tarefa das esquerdas, dos mandatos e do que ainda resta de militância.

O que as esquerdas precisam ter – e não o governo – é algo equivalente a Nikolas. Mas que algo? As esquerdas não têm nada. Nem uma figura, nem um discurso, um método ou uma estratégia. Até porque as tentativas de resposta a Nikolas são produzidas por gente com pelo menos o dobro da idade dele.

As esquerdas não têm um jovem com a agilidade e a capacidade de fala de Nikolas, ou têm e essa figura está escondida. A guerra contra os ataques de Nikolas só poderá ser enfrentada por alguém com perfil assemelhado.

Não com os mesmos métodos, mas com a mesma pegada e compreensão dos novos formatos da comunicação. Fora disso, nada funciona. Porque os truques da comunicação do século 20, que chegaram de arrasto até aqui, não têm muita utilidade.

Não há hoje nas esquerdas quem possa, pelo que diz, virar manchete no Globo, como Nikolas virou. E esse não é um problema de Lula. Nem resulta da incapacidade do governo de ‘esclarecer’ o povo.

É um problema do ativismo, da militância, dos políticos com representação e do povo de esquerda que está nas redes sociais. Há um déficit de ação política e de renovação de talentos e se aprofunda a incapacidade das esquerdas de produzir contrapontos ao poder do fascismo no campo do que chamavam de comunicação de massa.

A extrema direita domina as massas digitais, como um dia as esquerdas dominaram as massas analógicas. E Nikolas é, pela direita, a estrela dessa turma que o Globo trata com certo carinho e reverência.

Não resolve Jorge Messias, ministro da Advocacia-Geral da União, dizer que havia no INSS, no tempo de Bolsonaro, uma “engenharia criminosa”. Só entenderão o que ele diz os mesmos que já entenderam o que Lula fala. Os ouvintes, nessa frequência, serão sempre os mesmos.

E o que temos hoje, pela voz de Lula e de Messias, é que uma quadrilha agia no INSS desde a posse 2019. É o presidente da República, com 79 anos, falando para a população. Mas é a fala de Nikolas, que faz agora 29 anos, que se sobrepõe à fala do chefe da nação, para sugerir que a quadrilha é do governo de Lula.

A conclusão mais dolorosa é essa mesma. O fascismo tem o que a esquerda deixou de ter há muito tempo. Jovens que falem para os jovens e também para os velhos e ofereçam mentiras que jovens e velhos querem ver, ler e ouvir como sendo verdades.

Foto: Reprodução/X/@nikolas_dm

Escrito por:

Moisés Mendes é jornalista de Porto Alegre e escreve no blogdomoisesmendes. É autor de ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim). Foi editor de economia, editor especial e colunista de Zero Hora.