Tarcísio tem mil desculpas para amarelar

15 de junho de 2025, 12:29

Os dilemas em torno de Tarcísio de Freitas produzem uma situação inédita desde a ascensão do neofascismo brasileiro em 2018. Tarcísio pode ser o candidato de 2026 da velha direita e da nova extrema direita, juntando Globo, a família Bolsonaro, Kassab, Faria Lima, Valdemar Costa Neto, o agro pop, Nikolas e Malafaia.

O Datafolha melhorou a performance do governador na pesquisa mais recente, com diferença de apenas um ponto para Lula num segundo turno, de 43% a 42%, e quase tirou Michelle do jogo. Pesquisas são anabolizantes na hora certa.

Mas, com os cenários e os ingredientes de hoje, com poucas alterações no que é essencial, Tarcísio correria o risco de deixar o governo em abril para enfrentar Lula em 2026?  

Em abril, Bolsonaro estará preso, o que já está precificado, sabe-se que acontecerá desde a semana passada. De dentro da cadeia, como fazem os chefes de facções, o preso pode mandar ordens a serem cumpridas por quem lhe deve obediência.

Tarcísio já disse em cima de um caminhão na Paulista que era um ninguém e que Bolsonaro apostou nele. Disse que não existe direita sem Bolsonaro. Reafirma que seu mentor, seu ídolo e seu líder é Bolsonaro. Mas é uma criatura que não passa firmeza. 

Mesmo assim, quando estiver preso, sabendo que Zema, Caiado e Ratinho não são confiáveis, certo de que Michelle já está eleita senadora por Brasília e que não aguentaria o tranco de uma eleição à presidência, Bolsonaro empurrará Tarcísio para o ringue.

O tempo até abril é de quase um ano. Até lá, Tarcísio pode restar como único nome capaz de enfrentar Lula. E Globo, Folha e Estadão tentarão, daqui a abril, fingir melhor a crença de que ele talvez se desgrude de Bolsonaro e seja mesmo o extremista moderado exaltado pela Folha como o candidato com menor rejeição.

Tarcísio seria alguma coisa híbrida, um boneco playmobil com tronco de Bolsonaro, cabeça de Paulo Guedes e as outras partes do corpo com membros e parafusos de todo tipo de gente, de Valdemar, Magno Malta, boys da Faria Lima, garimpeiros da Amazônia, o que resta da elite empresarial e um pouco das almas de Olavo de Carvalho e Brilhante Ustra. Os militares não teriam grandes contribuições a dar, por falta de clima.

Tarcísio seria um pré-moldado, com vários fornecedores, aparentemente sem pé nem cabeça. A velha direita daria um jeito de fazê-lo andar e de tentar gerir sua fala e seus gestos, sem a predominância dos trejeitos de Bolsonaro. Todos participariam da montagem de um boneco bem apessoado.  

É o que está se configurando. Sem outro nome forte, resta à direita acreditar que Tarcísio pode ser uma criatura gerenciável, mesmo que muito dependente do que virá a ser o bolsonarismo sem Bolsonaro.

O problema é convencer a criatura a se jogar de sunga verde do penhasco. Até por saber que o Lula da baixa aprovação como governante conduz a um engano. A aprovação ruim é um dado que não diz quase nada, sob o ponto de vista eleitoral, da sua capacidade ainda preservada de enfrentamento da direita.

O Datafolha mostra bem a separação entre a baixa aprovação momentânea e a preservação da força eleitoral de Lula. Tarcísio teria de enfrentar um Lula ameaçadoramente imbatível e se submeter na campanha às exigências de um Bolsonaro preso e de seus asseclas ainda soltos.

Teria que dizer em voz alta que, se eleito, vai assumir o governo e na primeira semana anistiar Bolsonaro, Braga Netto, Augusto Heleno e os manés que o milionário dos R$ 18 milhões do PIX chamou de malucos. 

Teria que assumir compromissos até com o diabo, que há muito tempo se submete ao que o centrão determina. E teria que provar a Malafaia e a Edir Macedo que não vai andar de mãos dadas com o pessoal da Globo.

Lula, o diabo, o centrão, a anistia, o boné do Trump, o bafo na nuca dos filhos de Bolsonaro e dos que entenderão que o bolsonarismo terá voltado ao poder – esse combo estaria à espera de Tarcísio. Que sabe da sua condição como invenção de Bolsonaro sem vontades próprias. E que não ser ninguém sem Bolsonaro é seu maior problema. 

Tarcísio faz com que direita e extrema direita compartilhem as mesmas aflições, porque uma depende da outra. Hoje, ele ainda é uma interrogação, assim como a obsessão sempre perseguida da terceira via. 

A Folha testou vários nomes, na busca desesperada por uma alternativa, mas nada funciona, mesmo com a forçação de que até Eduardo Leite poderia enfrentar Lula. 

É ruim a situação do velho antilulismo dependente do novo fascismo. Mas a grande mídia de direita indica que já entubou a escolha de Tarcísio, tapou o nariz e começa a trabalhar para o novo bolsonarismo.

Imagem de Tarcísio de Freitas. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

Escrito por:

Moisés Mendes é jornalista de Porto Alegre e escreve no blogdomoisesmendes. É autor de ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim). Foi editor de economia, editor especial e colunista de Zero Hora.

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