Racha da vacina denuncia o egoísmo dos empresários

25 de janeiro de 2021, 19:59

A divisão entre grandes empresários sobre a compra de vacinas é mais do que um dilema, é a revelação do caráter de parte do capitalismo brasileiro, talvez a maior parte.

A pandemia já expôs escolhas e omissões de muita gente avulsa e de instituições. Agora, uma decisão que exige urgência acaba por denunciar o vale-tudo de certo empresariado.

Um grupo insiste em comprar vacinas e até estipulou uma quantidade. Seriam 33 milhões de doses, com metade para os compradores e metade como doação para o SUS. Parece altruísmo, mas só parece.

Os empresários querem driblar a sabotagem de Bolsonaro. Eles sabem que não é incompetência, nem é lentidão, é sabotagem mesmo.

Bolsonaro não quer vacinação e já voltou a dizer, para livrar o governo das compras, que o importante é liberar todo mundo. Que sobrevivam os fortes e a partir daí, na cabeça dele, a economia volte a andar.

A vacinação em massa complica os planos de Bolsonaro, porque a contenção da pandemia poderia levar o povo de volta às ruas. É óbvio e cruel demais, mas assim é.

Bolsonaro quer a manada sem vacina, uma posição irracional, sob qualquer ponto de vista. Mas para ele é politicamente menos perigoso.

Nesse ambiente em que o inferno de Manaus pode se alastrar, empresários desesperados articulam-se de novo para tentar comprar a vacina, depois da tentativa frustrada de 13 de janeiro. Naquele dia, em reunião com Braga Netto, o governo disse que não iria autorizar a compra privada.

Mas Bolsonaro já mudou de ideia e agora consente que os empresários importem vacina. Mesmo que o fracasso do governo venha a ser confrontado mais adiante com o êxito de uma compra particular. Teremos o Brasil dos vacinados e dos sem-vacina.

A notícia agora é esta. Um grupo mais impulsivo de milionários quer fazer a compra de vacinas da Oxford/AstraZeneca de qualquer jeito, e outro grupo, mais cauteloso, prefere ficar de fora.

Os que não querem enfiar a mão na cumbuca sabem o tamanho do risco, até porque as empresas fabricantes se negam a vender para compradores privados e só negociam com governos.

Os empresários compradores seriam expostos como egoístas que compraram vacinas, deram uma parte ao governo, como se fizessem filantropia, mas não ajudaram a resolver o problema.

Porque a questão não é de falta de dinheiro ou de negociação com fornecedores. É de sabotagem.

O governo quer apenas fazer cena e receber um avião de vez em quando no aeroporto. Nada de vacinação em massa, ou não teria refugado a oferta da Pfizer em setembro e coordenado ações em sequência de boicote à imunização.

Os empresários seriam consequentes se pressionassem Bolsonaro para que deixe de pregar e agir contra a vacinação. Mas essa turma, com muitos deles envolvidos no golpe contra Dilma, não quer problemas com Bolsonaro e com Paulo Guedes.

Sindicatos, OAB, ONGs, Supremo (mesmo que frouxamente) e outros órgãos e entidades têm tentado acossar Bolsonaro. Até o MBL pressiona o sujeito. Mas não contem com os empresários do pato amarelo da Paulista, incapazes de qualquer cobrança do governo.

Eles querem uma gambiarra imunizadora que atenda aos seus interesses e salve seus executivos e suas famílias. E os outros que não entraram na briga pela vacina comprada e não lutam pela imunização para todos?

Esses ficam na moita. Só acompanham de longe, na esperança de que serão socorridos mais adiante por uma vacinação pingada ou por um milagre que os salve do genocídio sem incômodos com o genocida.

Escrito por:

Moisés Mendes é jornalista de Porto Alegre e escreve no blogdomoisesmendes. É autor de ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim). Foi editor de economia, editor especial e colunista de Zero Hora.

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