Ame seu ódio

13 de outubro de 2025, 08:45

É da natureza das práticas progressistas pregar o amor. Desde sempre, quem pregou um mundo mais justo falou de amor, perdão, reconciliação, apaziguamento. Jesus Cristo, coitado, talvez o maior símbolo do pensamento progressista da história, fez do amor sua arma. E, por isso mesmo, só fez se foder. Foi traído. Morreu torturado. Ninguém jogou sequer uma fruta podre contra um soldado romano que o humilhava. Ele só foi escorraçado e arrastado, na via sacra, como mais um bandido qualquer. Sem ninguém para ajudá-lo. E ainda teve que presenciar aquele bando de gente escrota libertar Barrabás.  Deus não o ouviu. O povo cagou pra ele. Ou seja: morreu, abandonado e esquecido, depois de tomar uma surra absurda, sem vencer ninguém, muito menos o Império Romano.

Mas deixou a semente do que poderia ter sido uma revolução espiritual, ética e social sem precedentes. Seu fracasso político foi, paradoxalmente, sua vitória simbólica: ele mostrou que o amor é  caminho. Um caminho. Mas sua história ensinou também que o amor, sozinho, não basta. Filósofos como Spinoza, Rousseau e Sartre, cada qual à sua maneira, acreditaram no amor como motor de transformação humana. Spinoza via nele o oposto do medo; Rousseau, a base da empatia social; Sartre, uma aposta no outro como possibilidade de liberdade. O sofismo, por sua vez, acreditava no poder da palavra, da persuasão racional, como instrumento de paz e convencimento. Mas esquecia que, diante do fanatismo, a razão é surda e o discurso é inútil.

Em um país de progressistas bem intencionados como o nosso, precisamos discutir abertamente sobre um assunto espinhoso: o amor é lindo. Mas tá na hora de parar de ser trouxa. Há uma linha tênue entre o virtuosismo e revisionismos que precisa ser repensada: O identitarismo sem bom senso mais atrapalha que ajuda; defender cantor de rap que defende traficante que mata jornalista, sob o pseudo discurso do ocultamento social vencido, mais atrapalha que ajuda. Ter compaixão por aberrações como  Charlie Kirk, mais atrapalha que ajuda. Essa sedução da esquerda Namastê pelo estoicismo — com sua promessa de serenidade pela razão, filosoficamente sedutor — é  profundamente ilusória.

Vivemos um tempo em que o amor, como prática política, virou uma delicadeza ineficaz. Não há mais tempo para as regras pacíficas do amor. O mundo ideal, erguido sobre a doçura da compreensão e da compaixão, seria lindo — mas é um horizonte que se distancia à medida que os extremistas avançam, travestidos de moral, religião e pátria. O nosso ódio precisa naturalizado. A gente precisa naturalizar o fato de que nossa indignação é justa e não é insensato ligar o foda-se para o perdão.

Em “A Conferência” e “Zona de Interesse”, filmes sobre a crueldade nazista, a banalidade do mal está escancarada nas telas para que nos sirvam de alertas: o mal sempre vence diante da passividade dos bons. Dito isto, vamos materializar nosso ódio, naturalizar nosso direito de odiar. Não há anistia possível em nome do humanismo quando o próprio humanismo está sendo destruído. Amar não pode significar tolerar o intolerável. O perdão não é a negação da justiça. A paz não é ausência de confronto. Ervas daninhas não se convencem; podam-se. E é preciso podá-las antes que dominem o jardim. Portanto, foda-se se Bolsonaro morrer destruído pelo tédio e insignificância.

Foda-se se Carla Zambelli não tem shampoo e chora todo dia na cadeia. Fodam-se eles. São pessoas ruins.  Que merecem se foder. Sem anistia. Como bem disse Ulisses Guimarães, ao apresentar a constituição de 1988 à nação: ódio e nojo à ditadura. É tempo de naturalizar nosso ódio. Ódio a Bolsonaro. Ódio a Tarcísio. Ódio à extrema direita.

É o gesto mais bonito de amor que podemos oferecer ao Brasil.

Se permita odiar esses filhos da puta. É o único sentimento que eles merecem ter da gente.

  • Imagem gerada em IA

Escrito por:

Manno Góes, cantor, músico, escritor e diretor artístico de Salvador, é fundador da banda Jammil e Uma Noites e autor de sucessos como “Milla” e “Praieiro”. Suas composições já foram gravadas por grandes nomes e integraram trilhas de novelas da Globo. Em 2024 e 2025 assinou direções artísticas de importantes projetos musicais. É diretor da UBC e referência na defesa dos direitos autorais.

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