Cansado de guerra, Lula vai à China em busca de paz
Quando embarcar para a China, em 11 de abril, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva irá iniciar uma jornada em busca de uma trégua na guerra entre Rússia e Ucrânia, motivado por uma certeza pessoal de ser essa uma missão de vida, ainda que nada indique, no teatro das nações, haver qualquer interesse das partes em conflito nessa mediação. Lula, aliás, discorda dessa premissa. Na opinião dele, ainda que secretamente, tanto Vladmir Putin, o agressor, como Volodymyr Zelensky, o agredido, desejam desesperadamente por uma intervenção externa para acabar com uma briga que eles mesmos, diz Lula, não têm como por fim.
Lula falou de coração aberto sobre o tema a dezenas de jornalistas convidados, mais uma vez, a tomar café da manhã com ele, no Palácio do Planalto. Demonstrou, como de costume, uma enorme otimismo em relação ao xadrez da geopolítica internacional, onde tem feito movimentos abertos e ousados para um presidente recém-eleito de um país da América Latina.
Antes de completar 100 dias de governo, Lula já tratou do tema com os presidentes da França, Emmanuel Macron, dos Estados Unidos, Joe Biden, da Argentina, Alberto Fernández, e com o premier da Alemanha, Olaf Scholz, além das conversas com Putin e Zelensky. Para a Rússia, inclusive, ele também despachou o ex-chanceler Celso Amorim, para falar de paz com o chefe do Kremlin. “A paz é mais complicada do que a guerra. É como decretar greve. Tem uma hora que precisa ter alguém com coragem para parar a greve. Alguém tem que parar a guerra. Alguém de fora tem que ajudar”, falou.
Faltava, nesse álbum colorido da paz, a figurinha do poderoso presidente da China, Xi Jinping, com quem Lula vai estar, na semana que vem. O presidente aposta na importância do governo chinês para as relações com a Rússia e da capacidade da diplomacia chinesa de impor uma negociação para o fim do conflito.
Aos pessimistas, o presidente brasileiro lembra da formação do G20 pós-crise financeira de 2008, articulado pelo Brasil junto às nações mais ricas e poderosas do planeta, singularidade de um tempo em que o País tinha, antes do golpe de 2016, grande prestígio mundial.
A ideia, diz Lula, é fazer uma espécie de “G20 da paz”, de modo a intermediar o conflito no leste europeu. “Putin não pode ficar com terreno da Ucrânia, não falo nem da Crimeia [região da Ucrânia anexada pela Rússia, em 2014], mas Zelensky também não pode ter tudo que quer”, disse Lula. “O mundo está precisando de tranquilidade. Precisamos de solução para a crise da humanidade, o ódio, a intolerância, a mentira, a fake news, mentir virou normal, bonito”, refletiu.
O discurso de Lula beira à ingenuidade – a jornada do homem simples se colocando entre poderosas nações belicosas usando como argumento apenas as palavras e o conceito universal de humanidade. Principalmente depois de a Finlândia se agregar à Organização do Tratado do Atlântico Norte e dobrar a linha de contato entre a Otan (leia-se, Estados Unidos) com a Federação Russa. É quase certo que Putin está mais inclinado a apertar o botão da guerra nuclear do que ouvir a mensagem de paz e amor do presidente brasileiro.
É preciso levar em conta, contudo, que Lula calibrou essa posição depois de uma longa e traumatizante experiência pessoal que inclui a perseguição implacável da Lava Jato, 580 dias de prisão ilegal e arbitrária, os atos terroristas de 8 de janeiro e, desde ontem, o ataque à creche de Blumenau, em Santa Catarina, por um bolsonarista que matou quatro crianças, a sangue frio.
No fim das contas, a campanha de Lula contra a guerra é parte de uma campanha geral contra os tempos de ódio deflagrados pelo crescimento da extrema-direita, em todo mundo, e do bolsonarismo, no Brasil, em particular. Aos jornalistas presentes no Palácio do Planalto, em reposta a uma provocação – quase uma ordem – de uma repórter da CNN (“Quando o senhor vai parar de falar de Sérgio Moro e Bolsonaro?”), o presidente afirmou que uma mistura de bom senso, maturidade e experiência tem lhe apontado o caminho de priorizar falar sobre o futuro do Brasil.
Bem-humorado, revelou que Paulo Pimenta, ministro da Secretaria de Comunicação Social, o tem orientado a não falar mais “nem da coisa nem do coiso”. Mas, no minuto seguinte, não resistiu a falar do coiso. “A volta de um ex-presidente é uma coisa normal. Tenho consciência que Bolsonaro vai tentar ser presidente outra vez”, disse Lula, subitamente sério. Segundo ele, ao se filiar ao PL, o ex-presidente resolveu apostar de novo na política. O discurso antipolítica de Bolsonaro, falou, “era para enganar os incautos”.
Para Lula, chegou a hora de Bolsonaro começar a prestar contas à Justiça. “Vai responder a muitos processos, porque cometeu muitos erros”, avaliou. O mais grave deles, apontou Lula, as 700 mil vítimas da Covid-19. “Mais de metade dessas mortes é de responsabilidade dele”, acusou.
Lula vai desembarcar na China com o coração cheio dessas esperanças de paz e harmonia, certo de que, negociando a paz entre Rússia e Ucrânia, poderá interditar, por extensão, a marcha do ódio e das fake news. Tanto pode voltar vitorioso, candidato, outra vez, ao Prêmio Nobel da Paz, ou com a fria certeza dita, há mais de 2.500 anos, por Confúcio, o mais famoso filósofo chinês de todos os tempos: “De nada vale tentar ajudar aqueles que não se ajudam a si mesmos”.