Censura! É disto que se trata, minha gente!

9 de junho de 2020, 13:37

Esconder, escamotear, ocultar, alterar, mascarar, fraudar, CENSURAR! É DISTO QUE SE TRATA, MINHA GENTE! Qual é a dificuldade de se chamar pelo nome aquilo que nome já tem? Por que não vejo em manchetes o termo correto para o objeto oculto nas informações? O que Bolsonaro está fazendo com os números dos contágios e mortes pela pandemia do coronavírus se chama assim: censura.

Por trauma, timidez ou conveniência política de se tentar manter as aparências do que não tem mais jeito de dissimular, não vejo colegas, epidemiologistas, médicos, autoridades, tratando a coisa com o nome que ela tem. Censura.

E censura não é exercida só com decreto em vigor. É censura o ato de tentar calar a respeito de qualquer assunto que incomoda a governos ou a instituições. E só não deu certo porque a mídia exerceu o seu direito de informar (enquanto há espaço para tal), porque houve, por parte de Bolsonaro e seus cúmplices erro de conhecimento da máquina pública. Esqueceram que prefeituras e estados poderiam repassar livremente os dados. E quando digo aqui “livremente”, não estou tentando tirar a força do termo “censura”, pois foi isto o que houve. Mas deixando claro e apontando onde e porque falhou. A simples tentativa em si, volto a dizer, mesmo sem decreto em vigor, sem oficialidade, atende por este nomezinho tão evitado nos últimos dias. CENSURA.

Posso Sentir o cheiro de longe. Vivi da infância à idade adulta sob o jugo da ditadura. Não precisava pesquisar, – mas em nome da fidelidade dos fatos – relembro aqui de tema já tratado em artigo anterior, no início do surto da Copvid-19 -, a epidemia de meningite que os militares de outrora tentaram esconder, e já tão fartamente tratada ao longo da semana anterior. Resgato relato preciso do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo – (CREMESP), do episódio.

“Apesar da situação, a letalidade, que de 1970 a 1972 variou entre 12% e 14% dos casos, a partir de 1973 declinou acentuadamente, atingindo o valor mais baixo (7%) em 1974. O maior número de óbitos foi observado em 1975, quando foram registrados 411, média de 1,15 ao dia. A letalidade da meningite tende a diminuir exatamente nos momentos epidêmicos, em decorrência do diagnóstico precoce e da introdução oportuna de tratamento.

A troca de presidente, com a entrada do general Ernesto Geisel, em 1974, facilitaria a mudança de atitude das autoridades. Em julho de 1974 foi criada a Comissão Nacional de Controle da Meningite, encarregada de traçar a política de vigilância epidemiológica. O número de casos registrados em janeiro de 1975 foi seis vezes maior do que o mesmo mês de 1974. Ironicamente, a meningite que tem o início de sua história na contaminação de soldados em postos militares, parecia não querer dar tréguas ao regime.

Em março de 1975 foi elaborado o plano básico de operações para garantir a vacinação de 10 milhões de pessoas em apenas quatro dias. A parte operacional da campanha esteve a cargo do exército. O esquema adotado durante a campanha não permitiu que fosse fornecido qualquer comprovante às pessoas vacinadas, nem o registro do número de vacinados”.

Mas não foi só a meningite que tentaram ocultar. A Censura naquela época (os anos de 1970/1980) se alastrava por todas as áreas da sociedade. Temos o dever de lembrar que hoje, quando se nega a existência da inflação na ditadura, é por conta dos expurgos praticados pelo então ministro Delfim Neto, sob a orientação do governo, (mas com o seu mais completo beneplácito), em produtos que, por irem mal em uma determinada safra, pressionavam os números da inflação para cima. Em conluio com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), responsável por calcular o índice, na época em total cumplicidade com o ditador de plantão, retirava o legume ou o alimento “delinquente” do cálculo, tornando-o mais “divulgável”.

E foi então, numa determinada safra, que tomate e abacate foram dois grandes vilões da elevação do índice da inflação. Tal momento, (foi o que se comentou na época), teria inspirado a canção do talentoso e politizado Gilberto Gil, para compor a sua maravilhosa “Refazenda”. Os jovens que hoje visitam a sua obra e a cantam despreocupadamente, não sabem, mas saibam que na “refazenda, tu me ensina a fazer renda, que eu te ensino a CENSURAR”.  Desculpe, Gil, alterar a sua obra, mas é por uma boa causa. Para me redimir, aqui reproduzo “Refazenda” na íntegra: Abacateiro acataremos teu ato/Nós também somos do mato como o pato e o leão/Aguardaremos brincaremos no regato/Até que nos tragam frutos teu amor, teu coração/Abacateiro teu recolhimento é justamente/O significado da palavra temporão
Enquanto o tempo não trouxer teu abacate/Amanhecerá tomate e anoitecerá mamão/Abacateiro sabes ao que estou me referindo

Escrito por:

Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora-pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" e "Imaculada", membro do Jornalistas pela Democracia

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