Mauro Cid durante depoimento na CPI dos Atos Golpistas (Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados)

Interlocutor de Mauro Cid pode ser um personagem acima de qualquer suspeita

23 de março de 2024, 18:57

Enquanto a Polícia Federal busca o “interlocutor” ou o destinatário das mensagens do ex-ajudante-de-ordem, Mauro Cid (suspeitam que foram enviadas via WhatsApp), a nós, desprovidos dos mecanismos de investigação dos profissionais, cabe atenção e, – nesse caso -, conjecturas. 

Olhando para o cenário da semana passada, quando os áudios foram publicados pela Revista Veja, o que se tinha era: Bolsonaro em desespero, tremendo a qualquer toque da campainha; seus filhos dependurados dia e noite nas redes sociais detonando a PF, que na visão deles perseguia o pai, e os seus aliados tentando emplacar versões nos seus respectivos posts. Circulavam “verdades” como: Alexandre de Moraes está transformando o processo “das mil e uma noites” (que é como eles se referem às investigações do 8 de janeiro), em uma “Lava-Jato”. 

Para os que se detiveram a ouvi-las, não fica difícil concluir que suas falas cabem exatamente na “narrativa” em voga no meio bolsonarista, quando vieram a público. Pura coincidência? O conteúdo reforça o “autoritarismo” do ministro Alexandre de Moraes, a PF como a “malvada” que ignora o que ele fala e conduz o seu depoimento para “onde quer” e, de quebra, o “interlocutor” ouve algumas queixas sobre a sua piora de vida e o enriquecimento do ex-presidente, sem olhar por ele, tão desvalido… (Nada que comprometa a biografia de alguém. Seria mais ou menos como xingar Bolsonaro de: “feio e bobo”).

Há quem especule se Mauro Cid não teria dado uma de esperto, tentando, tal como na peça de Carlo Goldoni: “Arlequim, servidor de dois amos”, servir a dois senhores. No caso, à Polícia e à ala bolsonarista. (O texto de Goldoni retrata as confusões criadas por Arlequim, um criado que, para viver e comer melhor, trabalha, ao mesmo tempo, sem que um saiba do outro, para dois patrões). 

Mas, depois de ter ganho o rótulo de “delator”, o que no meio militar é ser condenado em vida, outra hipótese que se coloca é a de ele ter caído em uma cama-de-gato. E com alguém muito importante do outro lado da linha. Chamado a se explicar na PF, Cid respondeu – da forma mais cândida -, que não se lembrava com quem havia falado ou, no dizer de seu advogado, “desabafado”. 

Como alguém que está em isolamento, proibido de conversar com outras pessoas que não sejam as filhas, a mulher e o pai, pode se esquecer com quem falou na semana passada? Impossível. A menos que… Esse alguém seja um alguém tão alguém que não possa nunca ser mencionado. É aqui que entram as conjecturas. 

Vamos supor que o “destinatário” ou o “interlocutor”, fosse uma pessoa acima do bem e do mal para as tropas. Bingo! 

Pensem em alguém respeitado, isolado, sem voz, mas com ajudantes à disposição para servir-lhe, inclusive, em missões de contrainformação ou “guerra psicológica adversa”. Como por exemplo, entregar na Veja uma gravação considerada “útil” à sua causa. Imaginem nessa pessoa, aquele líder intocável pelos grandes serviços prestados nos últimos anos, a quem todos respeitam, atendem e, se pedir para você ligar, porque precisa ouvi-lo, e tal como na canção de Isolda, “saber da sua vida” … Claro que Cid fragilizado iria ligar e dizer o que – ele sabe -, essa pessoa gostaria de ouvir. 

Suponham alguém com ascendência paterna sobre ele, Bolsonaro e os demais que passaram pela Aman! Pensem em alguém que, guardado em casa, é um poço de ressentimento e não hesitaria em colher a espinafração de Cid e, num último ato de coragem, lançar na mídia, assim, como quem envia um post para o X, as lamúrias e ataques de Mauro Cid. Estaria, ao mesmo tempo, passando um “corretivo” no delator e “salvando” os seus companheiros de farda, melando um processo que, certamente, aponta para Bolsonaro e seus golpistas, o caminho da prisão. 

Sem dúvida, um personagem acima de qualquer suspeita…

Escrito por:

Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora-pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" e "Imaculada", membro do Jornalistas pela Democracia

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