Damares Alves (Foto: Reprodução/Facebook)

O sistema pode expelir Damares?

12 de outubro de 2022, 21:03

Divertiram-se com Damares Alves desde a aparição de  Jesus na goiabeira. De lá até aqui, uma militante da fé que descreve  aparições prosperou como gestora pública e militante de extrema direita e  agora é senadora eleita.

Não há mais como se entreter com o que seria apenas folclórico ou  grotesco. Não estamos diante de uma figura equivalente a um Severino  Cavalcanti ou um Antonio Paes de Andrade, o homem de Mombaça. Nunca  estivemos.

Damares não se apresentará apenas como um possível ponto esdrúxulo fora  da curva no Congresso. Ela, Sergio Moro, Hamilton Mourão e o Astronauta  são a curva, com variações próprias.

O Congresso terá de lidar com eles e com a megabancada de extrema  direita da Câmara como novo aprendizado. Nunca antes houve nada igual  nem imaginável.

Mas é sempre possível indagar-se se algum deles, incluindo o retornado  Magno Malta, poderá ser expelido da estrutura que vai acomodando o que  seria a multiplicação da anormalidade, mas é ela mesma o ‘normal’.

A velha estrutura já expulsou do sistema Delcídio do Amaral, Demóstenes  Torres, Eduardo Cunha e Selma Arruda. Mas poupou Aécio Neves, porque era  de outras turmas.

Os muito fracos são expulsos do meio em que não conseguem sobreviver,  pelas circunstâncias e por falta de berço e lastro na política e no  Judiciário.

É a seleção natural, com participação do Supremo ou do TSE, que não se  incomodam e não correm riscos com questões mais complicadas.

Um eleito de extrema direita hoje é mais do que uma complicação. Tem  voto, geralmente com proteção religiosa e militar. Mas poderá deixar de  ser tão poderoso, se o quase canibal for devolvido ao mundo de Ronnie  Lessa.

A nova estrutura, que comeu o centro com banana caturra no primeiro  turno, terá de se reorganizar sem Bolsonaro. E poderá, se as  instituições reencontrarem a coragem perdida em algum canto, ser  convidada a expelir alguém.

A maioria dos chegados na onda extremista pode, pelo talento que têm,  ser absorvida pelo sistema que alguns deles tanto combateram ou fingiram  combater.

Mas e Damares? Ela já avisou que pretende ser presidente do Senado.  Seria a primeira mulher a liderar a casa. A estrutura dirá quais são os  riscos envolvidos e talvez não tope tanto atrevimento.

Damares é a caricatura do novo normal. Imprensa, Congresso, Supremo, TSE  e instâncias superiores e inferiores das instituições sabem disso,  porque trataram o fascismo com condescendência. E o centro engolido pelo  bolsonarismo ajudou a criá-lo.

Damares é estrela resplandecente de uma turma que tem metade dos votos dos brasileiros.

Mas talvez seja também o maior problema desse grupo, pelos impulsos  moralistas que disseminam fake news invariavelmente associados à repulsa  ao sexo. Damares passa dos limites e assusta as crianças e o próprio  sistema.  

Ninguém imagina que ela possa vir a ser cassada antes de assumir. Mas,  sem Bolsonaro, perderá a proteção, mesmo que tenha as imunidades de  eleita.  

Todos os que tombaram antes, por algum deslize, por serem os mais fracos  ao alcance da Justiça e por consentimento dos próprios pares, também  tinham votos.

Alguns tiveram vastos e podres poderes que já não valiam mais nada.

Escrito por:

Moisés Mendes é jornalista de Porto Alegre e escreve no blogdomoisesmendes. É autor de ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim). Foi editor de economia, editor especial e colunista de Zero Hora.

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