Alexandre Ramagem e Jair Bolsonaro (Foto: REUTERS/Adriano Machado)

“Operação Cabeça de Todos Nós” flagra clã Bolsonaro e é roteiro pronto de chanchada da vida real brasileira

29 de janeiro de 2024, 18:28

A Polícia Federal cumpriu hoje mandados de busca e apreensão contra o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro, assessores dele, um militar da reserva e outros agentes públicos – inclusive da própria PF. Considerado o líder “intelectual” do Gabinete do Ódio, célula de produção e catapulta de reprodução de mentiras, discursos de ódio, detração de currículos e perseguições por redes sociais durante o mandato do pai, Jair Bolsonaro, na presidência da República, Carlos Bolsonaro era o alvo central da “Cabeça de Nós Todos”. A operação foi batizada desta forma, meio jocosa, pelos federais.

Só na casa de Giancarlo Rodrigues, militar da reserva com passagem por batalhões do Rio de Janeiro, foram encontrados 10 celulares, 3 computadores, 1 HD externo e 1 pistola de uso privativo do Exército. Um dos computadores pertence à ABIN e estava lá sem autorização. Giancarlo foi assessor do ex-diretor da Abin, Alexandre Ramagem. Também trabalhou no Gabinete de Segurança Institucional do Palácio do Planalto durante o período de Temer na presidência. Na época, foi chefiado pelo general Sérgio Etchegoyen. Aqui no 247, há uma semana, revelou-se que Etchegoyen pode ter monitorado ilegalmente parlamentares em seu tempo de GSI. A mulher de Giancarlo trabalha na Agência Brasileira de Inteligência – ao menos até hoje.

Numa casa em Mambucaba, em Angra dos Reis, no litoral fluminense, onde o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus três filhos mais velhos – o senador Flávio Bolsonaro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro e o vereador, Carlos – estavam passando alguns dias de verão, os policiais federais, que agiam sob determinação do Supremo Tribunal Federal e da Procuradoria Geral da República, coletaram 3 laptops e um dos celulares usado por Carlos Bolsonaro. Um desses laptops pertence a Tércio Arnaud, ex-funcionário do Palácio do Planalto que era considerado o operador das determinações do vereador enquanto o “Gabinete do Ódio” esteve em funcionamento durante o mandato de Bolsonaro na Presidência. Outros celulares em posse de Carlos Bolsonaro foram apreendidos na casa dele, num condomínio da Barra da Tijuca, e no gabinete ainda ocupado por ele na Câmara de Vereadores do Rio.

Ante tais fatos, é necessário refletir sobre Realidade x Ficção n’A Vida Como Ela É no Brasil.

Os Deuses dos Roteiros, que existem!, sempre foram perversos conosco.

Ao contrário do cinema argentino, que levou para a casa a estatueta de Melhor Filme Estrangeiro duas vezes, com A História Oficial, em 1986, e O Segredo Dos Seus Olhos, em 2010, o cinema brasileiro jamais venceu a disputa na Academia de Artes e Ciências dos Estados Unidos.

Na manhã de hoje, logo cedo, quem escreve os esquetes dessa coluna contemporânea, “A Vida Como Ela É”, cujo patrono na imprensa brasileira de meados do Século XX é o dramaturgo pernambucano Nelson Rodrigues, voltou a ter provas que matéria-prima de vida real é o que não nos falta. O Brasil vive a golpes e plot twists de roteiros de chanchada. Senão, vejamos:

Às 6h30min da manhã, segundo a Polícia Federal, um ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, e seus três filhos – Flávio, senador; Eduardo, deputado federal; e Carlos, vereador da 2ª maior cidade do País – fogem correndo num jet ski estrategicamente posicionado na praia de Mambucaba, em Angra dos Reis, com destino a uma lancha que já estava fundeada aguardando-os. Não tiveram tempo, sequer, de fazer o desjejum batendo um prato de açaí da Val – sim! a mesma “Val do Açaí” investigada por receber salário sem trabalhar dos gabinetes do ex-presidente quando ele foi parlamentar. Esse foi o primeiro caso de rachadinha que se teve notícia no bolsonarismo. Rachadimha é corrupção grossa com nome de coisa menor. Surgiu ainda na campanha de 2018 e que ninguém deu bola.

O clã Bolsonaro, desconfia a PF, dispensou o açaí da Val porque tinha informações dando conta que agentes da corporação, portando mandados de busca e apreensão despachados pelo Supremo Tribunal Federal com chancela da Procuradoria Geral da República, estavam batendo nos portões da casa de Mambucaba para um baculejo ao rais do Sol.

De acordo com Fábio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação da Presidência nos tempos de Bolsonaro e agora dublê de advogado e estrategista judicial, o ex-presidente e seus três filhos com mandatos eletivos públicos haviam saído de casa às 5h da manhã para pescar. Flávio, o senador da filhocracia caquistocrática, disse que estava mergulhado, em meio a uma caça submarina, quando o pai gritou para ele assim: “sai, levanta, que está tendo busca e apreensão na casa do Carlos”. Segundo Flávio, “foi só o tempo de recolher as coisas e voltar”. 

A “volta” foi para a casa de Mambucaba, onde a PF os aguardava pacientemente – sabia que eles retornariam. Lá, foram cumpridos os mandados legais, recolheram-se o celular de Carlos e os laptops. Jair Bolsonaro, que uma semana antes, em razão da busca e apreensão contra seu ex-diretor da Abin, Alexandre Ramagem, disse “eu atiro para matar, mas ninguém me leva preso. Prefiro morrer”, esqueceu as ameaças de cometer homicídio seguido de suicídio e resignou-se. Depois de cumpridos os mandados contra o filho 02 dele, mudou o tom. “Querem me esculachar, me fazer passar por constrangimento”, disse à jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S Paulo. “A intenção é encontrar algo que o envolva em algum crime, mas isso não vai acontecer”, prosseguiu o ex-presidente. “Estão jogando rede, pescando em piscina. Não tem peixe”. Fecha aspas.

Tem um mol de mentirosos nessa história. E, ao que parece, a mentira mora provisoriamente naquela casa de Mambucaba, praia histórica de Angra.

A Polícia Federal afirmou, oficialmente, que chegou à casa onde estava o clã Bolsonaro às 7h. E somente às 7h30min a busca e apreensão começou. Constatadas as ausências do ex-presidente e dos filhos, esperaram que eles voltassem. Os elementos, então, regressaram ao mocó de onde haviam se evadido perto de meio-dia. Só aí começaram as buscas e foram apreendidos os laptops e o celular do vereador vulgo ‘Carluxo”. Diante do pai, o vereador foi convocado a depor do inquérito da Abin paralela e fará isso até a 4ª feira.

No despacho em que autoriza a busca e apreensão contra o filho do ex-presidente, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, relator dos inquéritos que investigam fake news e tentativa de golpe de Estado, afirma que havia “uma organização infiltrada na Agência Brasileira de Inteligência” e que ela “usou métodos ilegais para fiscalizar investigações que atingiam aliados políticos”. Moraes ainda consignou, em seu texto legal, que “os elementos de prova colhidos até o momento indicam, de maneira significativa, que a organização criminosa infiltrada na ABIN também se valeu de métodos ilegais para a realização de ações clandestinas direcionadas contra pessoas ideologicamente qualificadas como opositoras, com objetivo de ‘obter ganho de ordem política posto que criavam narrativas para envolver autoridades públicas de extrato político oposicionista da então situação’, bem como para ‘fiscalizar’ indevidamente o andamento de investigações em face de aliados políticos”.O jurista Pedro Serrano alarmou-se com a fuga para o mar de Bolsonaro e de seus filhos minutos antes de a Polícia Federal bater à porta da casa de veraneio de Mambucaba. Escreveu Serrano no X, ex-Twitter: “Se for verdadeiro que os Bolsonaros saíram do local da busca e apreensão pouco antes dela ocorrer há possibilidade de vazamento da busca, obviamente de dentro da PF. A corregedoria tem de investigar quem vazou e se houve desvio ou destruição de provas . Caso se demonstre o vazamento, a coisa pode ficar feia para o clã”.

Na cabeça de qualquer um de nós que preserve a sã consciência, esse roteiro da vida real é muito, muito melhor do que o gênio criativo de qualquer candidato ao Oscar. Brasil, joga a lona que o circo está pegando fogo em pleno mar.

Escrito por:

Jornalista

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