Lula em debate na TV Bandeirantes (Foto: Reprodução / TV Band)

Para vencer já no dia 2/10, Lula precisa profissionalizar as relações pessoais

2 de setembro de 2022, 16:17

O ex-presidente Lula não foi bem no debate realizado no último domingo, organizado pelo pool de empresas Rede Bandeirantes, Uol, Folha de S. Paulo e TV Cultura, porque não se preparou para o evento com a dedicação e o empenho necessários. Isso ocorreu porque a agenda pessoal e familiar invadiu o rol de responsabilidades do candidato.

A noite do sábado, véspera daquele que era até então o maior teste de comprovação pública dos diferenciais competitivos e das qualidades do maior líder político contemporâneo do País, não foi dedicada a um jantar frugal e troca de informações e estratégias para o dia seguinte nos estúdios da Band. Ao contrário, um jantar animado em roda de conversa social prosaica, estendeu-se além do horário prudencial e o candidato petista viu o sol do domingo avançar sobre o relógio consumindo rapidamente o tempo de treino e dedicação para o debate.

Jamais tal comportamento relapso, que tangenciou a irresponsabilidade, poderia ter acontecido. Lula não é candidato a presidente de si mesmo ou em razão de um projeto pessoal. Não: Luiz Inácio Lula da Silva, líder forjado no movimento sindical e uma das biografias cruciais no processo de redemocratização do Brasil, é também o único guia disponível para conduzir a Nação de volta à estrada tortuosa de civilidade e decência social que nos fazia avançar rumo à construção de um País mais solidário e inclusivo; menos desigual e perversamente dividido.

Em 2001, quando decidiu impor sua vontade dentro do PT e levar o publicitário Duda Mendonça para se entender com o Partido dos Trabalhadores e liderar a equipe de marketing da campanha eleitoral do ano seguinte, Lula corretamente identificou a necessidade de um choque de profissionalismo no ativismo envolvente e nas próprias relações políticas e pessoais. Sem aquilo, sabia, dificilmente ganharia as eleições de 2002. Para virar presidente, Lula se submeteu ao gênio personalista e brilhante de Duda, aperfeiçoou sua proverbial capacidade de se conectar com os anseios populares dos brasileiros situados, sobretudo, nos estratos mais espoliados e menos favorecidos da população, e venceu.

O resto é História, e cá estamos de novo reivindicando a chance de escrever novos capítulos porque o epílogo proposto não pode ter inspiração, redação e edição de um canalha chauvinista como o atual presidente.

Há 20 anos, a Democracia e a busca da institucionalização das relações políticas eram valores ascendentes em um Brasil que experimentava as glórias de ter derrotado a inflação depois de subjugar uma ditadura militar sem que a sociedade recorresse às armas ou à desintegração do tecido social.

Agora, estamos ante a ameaça real e concreta da ampla desorganização social e política, que se dará sob os escombros das instituições republicanas, caso o consórcio militar/empresarial/miliciano que chegou ao poder pelo voto na eleição viciada e ilegítima de 2018 renove a licença dada a Jair Bolsonaro para dinamitar as bases democráticas que estávamos a construir.

Cientes de que não verão País nenhum (bebo e saúdo Ignácio de Loyola Brandão), irresponsáveis capitães de empresas do que restou da mídia tradicional brasileira manipulam as cordas e distorcem o panorama informativo para inflar o que creem ser uma “3ª via” política na eleição presidencial.

Não há, nem nunca houve, tal via.

Converteram o cenário de 2º turno, pelo qual lutam a esfolar verdades e o Jornalismo, nesta tal “3ª via” porque acreditam que Lula vencerá em 30 de outubro – mas, querem-no “domesticado”, “tutelado”, aviltado ante a própria persona política dele e posto sob o jugo da agenda que decidiram traçar no ambiente protegido e asséptico de suas empresas e do mercado financeiro. É irresponsável fazer isso, assemelha-se a convocar uma Nação inteira, espoliada e maltratada, para um piquenique trágico nas ribanceiras da caldeira de um vulcão ativo.

Ao longo dos 28 dias de uma campanha imprevisível de um 2º turno num Brasil conflagrado, tudo será possível. Até a conversão da expectativa de vitória natural e concreta de Lula em possibilidade de derrota da única liderança capaz de exorcizar o demônio que nos ameaça porque os barões da mídia e do mercado e a plutocracia nacional só o querem domesticado, tutelado, filtrado. Esse é ônus da mídia tradicional e de seus players na plutocracia, na tragédia brasileira que está contratada e em curso em meio a essa aventura de 2º turno.

De volta ao papel que cabe a Lula, ao PT, ao PSB e às siglas e outras lideranças aliadas jogarem: o ex-presidente precisa profissionalizar o seu círculo pessoal. Isso tem de ser feito imediatamente, para vencer já no dia 2 de outubro e se impor altivamente à vendeta da plutocracia e da mídia tradicional. Mas, a profissionalização do círculo pessoal se revelará especialmente relevante e necessária depois da vitória nas urnas em razão do que segue:

  • Ato contínuo à imposição da derrota a Bolsonaro em 2 de outubro, será essencial uma ação pragmática nos 2ºs turnos estaduais. É preciso derrotar fascistas, milicianos, extremistas em geral e neoliberais em particular – em estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Sul, Paraná e Distrito Federal, por exemplo. Minas Gerais já parece um caso perdido. Contudo, salvam-se os anéis do jogo político nacional porque, em terras mineiras, Lula colherá uma fulgurante vitória.
  • Não será tolerável, sob quaisquer argumentos ou ponderações, tergiversar e ceder à manutenção de Arthur Lira no comando da Câmara dos Deputados. O deputado alagoano é pernicioso para a Democracia, para o espírito republicano, para a moralidade pública e para a integridade das instituições e do erário. No interregno de um eventual e indesejável 2º turno nacional, ele tentará jogar o jogo do fortalecimento interno no Legislativo e conta com R$ 16 bilhões de dinheiro público mocozado no “Orçamento Secreto” para executar tal assalto à República.
  • É preciso ganhar tempo para articular saídas legais, legítimas e pactuadas com a sociedade para o esfacelamento dos mais diversos setores carentes da ação pública de um Governo: Saúde, Educação, Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente, Bem-estar Social, Indústria e Comércio, Cultura, Relações Internacionais, agências reguladoras… ou seja, em qualquer área onde se faça necessária uma atuação de Estado. E ela é necessária em todas as áreas dada a dimensão do desmonte pelo qual o Brasil passa desde os tempos da chegada da cleptocracia (bolsa-Houaiss: governo de ladrões) de Michel Temer ao poder, usurpando a legitimidade de Dilma Rousseff, até a aventura da caquistocracia (bolsa-Houaiss: governo dos piores, dos mais perversos) chefiada por Jair Bolsonaro.

  Duda Mendonça traiu a confiança depositada nele pelo PT de forma desleal e vil. No volume 3 de Trapaça – Saga Política no Universo Paralelo Brasileiro conto como tudo se deu a partir do depoimento que ele concedeu à “CPI dos Correios” no olho do furacão do escândalo que gerou a Ação Penal 470 (vulgar e inapropriadamente chamado de “mensalão”). Duda morreu no ano passado, apartado da maioria dos políticos para os quais pôs a serviço sua genialidade de publicitário.

Sucessor de Duda, o jornalista João Santana, que em 2002 era sócio do publicitário baiano e responsável técnico para dar conta das demandas de comunicação que exigiam maior compreensão científica e menos inspiração criativa, e entre 2006 e 2014 comandou o marketing petista da reeleição de Lula e das duas campanhas vencidas por Dilma Rousseff, hoje é o manipulador das cordas que fazem de Ciro Gomes o boneco de ventríloquo de comandantes tresloucados das empresas de comunicação que enveredaram pela estrada tosca da “3ª via”.

Santana, Ciro Gomes e a senadora Simone Tebet, candidata ungida no último domingo, no palco dos estúdios da Band, a mais recente bandeira desta turma que sabe fabricar vendavais para depois vender ao Governo de plantão abrigos para tempestade, sabem que a expressão “3ª via” é uma forma esperta de dizerem “queremos 2º turno”. E o querem porque desejam tutelar Lula. Para Ciro, o movimento pode render um revés que até aqui ele considera impensável: lança-lo a um humilhante quarto lugar da eleição, dando razão ao João Santana de 2014. Naquele pleito, desdenhando do então senador Aécio Neves (PSDB), principal adversário de Dilma, o jornalista baiano disse que abaixo da presidente, que seria reeleita, ocorreria uma “autofagia dos anões”. Esta autofagia está ocorrendo agora, e Ciro será engolido por Tebet em razão da misoginia, da canalhice dele para com Lula, dos ataques aos moradores de favela e das costumeiras terceirizações de culpa que promove.

O DataFolha do dia 1º de setembro não foi ruim para Lula. Líder, com 45% de intenções de voto no 1º turno, o ex-presidente está no mesmo patamar de intenções de voto que Fernando Henrique Cardoso (PSDB) estava em 1994 e em 1998 um mês antes das respectivas eleições. FHC tinha 44% de intenções de voto em 1994 a 30 dias das urnas – venceu a eleição com 54,24% dos votos no 1º turno. Em 1998, na 1ª eleição com reeleição, Fernando Henrique tinha 48% de intenções de voto e foi reeleito em 1º turno com 53% dos votos válidos. Lula está estável há um ano com elevado patamar de intenção de voto, de voto consolidado (mais de 80% de seus eleitores dizem que não mudarão a escolha até o encontro com a urna) e índice de rejeição razoavelmente baixo – entre 36% e 39%, dependendo da empresa de pesquisa – quando comparado com o adversário incumbente Bolsonaro – sempre acima de 52% de rejeição. Logo, profissionalizar as relações pessoais de Lula e aprimorar a preparação e as chances de uma necessária e fundamental vitória em 1º turno é algo necessário e fundamental para o País, para o Estado e para as instituições brasileiras.  

Escrito por:

Jornalista

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