Jair Bolsonaro (Foto: Marcos Correa/PR | Reprodução)

PF precisa esclarecer também a arapongagem usada para monitorar e achacar aliados de Bolsonaro

25 de janeiro de 2024, 22:11

Estagiários da Abin sabem que a estrutura paralela de espionagem, que abastecia Bolsonaro, não produzia dossiês apenas contra quem o governo considerava adversário ou inimigo.

Ativistas da extrema direita, amigos de Bolsonaro, gente da intimidade do poder, que bajulava o líder em gabinetes e palanques, também foi monitorada para a elaboração de dossiês quase sempre depreciativos.

Se investigar apenas os casos de vítimas classificadas como inimigas de Bolsonaro, a Polícia Federal sabe que estará fazendo um trabalho incompleto.

É preciso saber como funcionava a perseguição a amigos. Nem o estagiário da Abin perguntaria por que esse monitoramento era feito. O estagiário sabe o que motivava a produção de dossiês.

Os relatórios sobre amigos, alguns célebres e com poder econômico, eram usados para tentar mantê-los sob controle e, quem sabe, achacar gente com problemas a resolver, segundo o que diziam os homens da Abin. 

São procedimentos clássicos da arapongagem contra os próprios aliados e ativistas das diversas facções de suporte a uma estrutura criminosa de governo.

Uma das vítimas dos arapongas, que teve o dossiê divulgado pela imprensa, é o empresário Luciano Hang. Um relatório de 15 páginas foi produzido em junho de 2020 contra ele.

O documento seria um alerta a Bolsonaro sobre o histórico do autoproclamado véio da Havan, com informações sobre supostos delitos de contrabando, agiotagem, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e sonegação. 

A Abin desmentiu publicamente que tenha feito o dossiê, porque ninguém espera que arapongas confirmem a própria arapongagem, muito menos contra gente poderosa que transitava com desenvoltura em Brasília. 

O que Bolsonaro poderia fazer com o relato? Que utilidade teriam as pretensas denúncias, se o agora inelegível-quase-preso confiava em Hang a ponto de tê-lo ao seu lado até na tribuna de honra do 7 de Setembro de 2022, vestido patrioticamente, como foi descrito por Alexandre de Moraes, de verde periquito?

Outros militantes do bolsonarismo foram acompanhados de perto pelas Abins, a oficial ou a paralela, para que o chefe, a família e os militares soubessem o que nem todos sabiam a respeito de quem os cortejava. Entre os quais alguns amigos dos garotos.

Alexandre Ramagem tinha uma estrutura de Estado, com um puxado ilegal, com poder que nenhum outro integrante do governo tinha, para saber o que quisesse de inimigos e amigos do governo.

Ramagem não era um Anderson Torres e muito menos um Mauro Cid. Era muito mais. Torres era um leva-e-traz atrapalhado, tão trapalhão que não soube nem esconder a minuta do golpe.

Mauro Cid era o militar com formação para ser um oficial prestativo, tão disponível para tarefas banais que se prestava até a gerir a receptação de muambas e a pagar as contas de Michelle.

Ramagem era o homem da informação privilegiada, xerife da sala, da copa e da cozinha do Planalto e da família, com redes de controle dos passos e das vozes que Bolsonaro precisava monitorar.

Torres e Cid seriam no máximo, numa estrutura hipotética em que estivessem juntos, meros ajudantes do poderoso delegado Ramagem, tão poderoso que até hoje mantinha em seu poder computador e celular funcionais da Abin. 

Com uma diferença: não há até agora nada indicando que Torres e Cid tenham produzido informações e intrigas contra aliados e bajuladores de Bolsonaro.

Escrito por:

Moisés Mendes é jornalista de Porto Alegre e escreve no blogdomoisesmendes. É autor de ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim). Foi editor de economia, editor especial e colunista de Zero Hora.

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