(Foto: Marcos Corrêa/PR/Fotos Públicas)

Três setembros

19 de setembro de 2021, 18:50

Em setembro de 1973, o 11 de setembro caiu numa terça-feira. Eu estava em Córdoba, a segunda maior cidade da Argentina, e tinha passado horas da tarde anterior e daquela manhã com Agustín Tosco, o lendário dirigente sindical de quem depois me tornei amigo, para uma longa reportagem para o falecido Jornal da Tarde, do qual eu era correspondente em Buenos Aires.

Lembro que faltava pouco para as duas da tarde quando voltei para o hotel, com a ideia de comer alguma coisa e preparar o material que seria mandado para o jornal.

No caminho me chamou a atenção o número de pessoas que se aglomeravam na frente das lojas que tinham uma televisão ligada. Decidi me aproximar e fiquei sabendo que uma tentativa de golpe militar estava acontecendo no Chile. Em seguida, vi como o Palácio de la Moneda era bombardeado. Um choque atrás do outro.

Num instante foram armadas mesas com urnas para inscrever voluntários para ir ao Chile e se juntar à resistência. Era outra longa fila. De repente, tudo acabou: ficamos sabendo que o presidente Salvador Allende tinha morrido e que Pinochet assumiu o poder.

Em fevereiro de 1974 fui a Santiago para entrevistar, na mais rigorosa clandestinidade, Jaime Gazmuri, principal líder da resistência civil. Na volta a Buenos Aires levei comigo farta documentação denunciando a barbárie, material que seria mandado para Roma, onde Julio Cortázar era um dos organizadores do Tribunal Russell. Só voltei ao Chile em 1990, e desde então acompanho a longa reconstrução do país onde tenho fraternos amigos.

Jamais, porém, as imagens daquela terça-feira 11 de setembro de 1973 se apagaram da minha memória.

Em 2001, irônica coincidência, o 11 de setembro também caiu numa terça-feira. E lembro que estava entrando num edifício no centro do Rio quando vi, pela televisão ligada na portaria, um avião se espatifando contra uma das Torres Gêmeas de Nova York.

Subi até o escritório onde tinha um compromisso e vi, na televisão ligada na mesa da recepção, de novo o avião se espatifando. Prestei atenção e vi que, na verdade, era outro avião. Dois desastres idênticos?

Na mesma hora ficamos todos sabendo que não: era um atentado. E que houve mais duas tentativas que falharam.  

A primeira e inevitável pergunta: quem se atreveria, e com tanta ousadia e eficácia, atentar daquela maneira contra a maior potência do planeta? Houve milhares de mortos em Nova York e dezenas de milhões de pessoas assombradas mundo afora.

Lembro que a primeira coisa que me ocorreu, diante de semelhante horror, foi que a vida tem suas armadilhas: afinal, 28 anos antes e numa terça-feira 11 de setembro e quase na mesma hora, um golpe sangrento induzido e apoiado por Washington havia liquidado a democracia no Chile.

Pela primeira vez os Estados Unidos experimentavam, em carne própria e em dose dupla, o veneno que aplicavam mundo afora. 

E mais: o algoz, Osama Bin Laden, tinha sido treinado, bem como o resto do grupo, por Washington, para levar a cabo atos terroristas contra os soviéticos do Afeganistão.

III

Neste 2021 o 11 de setembro caiu num sábado. E no meu pobre país não aconteceu nada específico, nenhuma tragédia.

Jair Messias continuou dando claríssimas mostras de seu irremediável desequilíbrio. Foi controlado em seus impulsos golpistas exibidos quatro dias antes, mas sabemos todos que logo voltará ao seu estado normal. 

E não houve nenhuma tragédia específica porque a tragédia que vivemos começou no dia em que Jair Messias assumiu a presidência. 

O país continua sendo destroçado a cada dia por esse psicopata. E lenta mas persistentemente, o Congresso, especificamente a Câmara de Deputados, e também o Judiciário, preservam sua omissão cúmplice. 

Aqui, a destruição vai além de dois grandes edifícios. O que se destrói é o país inteiro, o que se destrói é parte essencial do futuro. 

São três tragédias que não podem ser comparadas. Mas que nem por isso deixam de ser trágicas.

Escrito por:

Eric Nepomuceno é jornalista e escritor

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