Com Decotelli, uma tradição que se renova

29 de junho de 2020, 21:26

O governo de Jair Bolsonaro, entre vários outros aspectos negativos como tolerância à corrupção, simpatia por milicianos, entreguismo desbragado e um desamor profundo pela humanidade e pela Natureza, é marcado pelos confusos e atrapalhados processos de escolha de seus ministros e auxiliares diretos, igualmente confusos e atrapalhados quando no exercício do cargo. Citar exemplos, de tantos que são, vai dar trabalho e preguiça. Mas, na Educação e na Cultura, embora seja esta pasta ligada ao Turismo, aí o bicho pega.

A impressão que passa é de que alguém, vira e mexe, acorda disposto a aprontar e fala pro chefe: “Jair, meu bom, tenho uma sugestão massa! O cara é dos nossos, tem horror a comunista, não suporta índios, negros e gays, não tem medo do ridículo e cai como uma luva para a gente provocar a esquerda e ouriçar aqueles 30 manés que se dizem 300. Anota aí!” E surge um “especialista”, sempre recebido com gáudio pelo Gabinete do Ódio e de viés pela imprensa que, sabe bem, terá matéria-prima farta para matérias sobre ideias absurdas e abiscoitará a antipatia gratuita do novo ungido.

Primeiro foi o Veléz Rodriguez, que foi apeado do cargo de forma rápida após se envolver em polêmicas e discussões, mesmo sem falar português direito. Era o cão chupando manga, segundo Bolsonaro, autor de mais de 30 livros (cuja maior parte não apareceu ao longo do pouco tempo de ministério). Mas, o que ficou mesmo foi gracinhas como a “orientação” para que professores da rede pública fossem dedurados por estudantes e pais de alunos se não cantassem o Hino Nacional e não demonstrassem “patriotismo”. Foram 97 dias olvidáveis.

Não vale a pena dar mais de um parágrafo para Abraham Weintraub, embora seus pensamentos, palavras e atos rendem volumes de notícias bizarras e páginas de prontuário. Estava lépido e fagueiro em seu papel de provocador imune a serviço do Planalto, mas caiu do galho quando defendeu cadeia para todo o STF. Mas, se tudo der certo pra ele, cai pra cima e pode acabar com um cargo suculento no Banco Mundial – pode ou não, pois os funcionários do BIRD não caíram nessa. Dos ministros “inacreditáveis” (time onde ainda pontificam Damares Alves, daquela pasta de um nome enorme que inclui – acredite-se! – Mulher e Direitos Humanos, e o “chanceler” Ernesto Araújo), Weintraub foi altíssimo clero. Marcou época.

Para o lugar do irascível Abraham chegou, mas não assumiu ainda, o professor Carlos Alberto Decotelli. E o que fez o novo futuro ministro da Educação? O mesmo que seus futuros colegas e antecessores: foi logo metendo os pés pelas mãos e fazendo o que não podia ser pior para um professor, muito menos para um ministro da Educação. Inchou o currículo, na plataforma Lattes, com títulos inexistentes, desmentidos pela Universidade de Nacional de Rosário, na Argentina e pela Universidade de Wuppertal, da Alemanha. É acusado de plágio na dissertação de mestrado que entregou à Fundação Getúlio Vargas (FGV). A posse do novo ministro seria nesta terça-feira (29) e, agora, está sine dia. Em nota, o governo anuncia que fará uma “checagem completa” do currículo do seu futuro ministro. É.

Nessa segunda-feira, ao cair da tarde, Decotelli enfrentou repórteres numa coletiva em que se enrolou e não conseguiu explicar as acusações que imputam. Disse que Bolsonaro lhe questionou sobre as acusações, mas teria mantido a escolha (que não havia acontecido até o fechamento desse texto, às 20h). Será? Ao final do encontro com os jornalistas, Decotelli deu chau aos “meninos” e entrou no rádio MEC rumo ao seu futuro incerto.

Nada de novo no front, portanto. E segue tudo igual no ministério trapalhão do Messias. Ou, pra não dizer que não falei de Fellini, “E La Nave Vá”…

Escrito por:

Jornalista e compositor, com passagem por veículos como o Jornal do Commercio (PE) e as sucursais de O Globo, Jornal do Brasil e Abril/Veja. Teve colunas no JC, onde foi editor de Política e Informática, além de Gerente Executivo do portal do Sistema JC. Foi comentarista político da TV Globo NE e correspondente da Rádio suíça Internacional no Recife. Pelo JC, ganhou 3 Prêmios Esso. Como publicitário e assessor, atuou em diversas campanhas políticas, desde 1982. Foi secretário municipal de Comunicação. Como escritor tem dois livros publicados: "Bodas de Frevo", com a trajetória do grupo musical Quinteto Violado; e "Onde Está Meu Filho?", em coautoria, com a saga da família de Fernando Santa Cruz, preso e desaparecido político desde 1973. Como compositor tem dois CDs autorais e possui gravações em outros 27 CDs, além de um acervo de mais de 360 canções com mais de 40 músicos parceiros.

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