Fala feminista de Lula assustou muita gente

20 de janeiro de 2023, 10:03

Algumas pessoas, inclusive mulheres (e de esquerda), ficaram espantadas com a fala feminista de Lula na Globo News na quarta-feira.

Lula disse que Janja fará o que quiser dentro do governo, mas que os militares não farão o que der nas suas telhas. Falou dos militares e no final falou de Janja.

Escrevi aqui nesse blog que, pela mensagem de Lula na entrevista a Natuza Nery, Janja tem hoje, dentro do governo, mais poderes do que os generais. É óbvio do tempo do ululante.

Numa reação compreensível, houve quem achasse que isso dava a entender que havia uma provocação aos militares. Não tem provocação alguma, tem a verdade.

O que Lula disse na entrevista foi para todo mundo ouvir. Disse primeiro que os militares terão de ser apenas militares, ou tiram a farda e vão embora. E que Janja faz o que quiser no governo.

Não há recado mais direto do que esse. Os que ainda acham que os militares devem ser tratados com luvas de pelica, como se dizia antigamente, devem ler o artigo do jurista e professor da USP Conrado Hübner Mendes na Folha.

Mendes aborda uma questão que frequenta os tabus das esquerdas: o medo, e não o respeito, pelos militares.

Mas são os militares que precisam bater continência para Lula, e não contrário.

O professor escreve sobre os que acham que Lula, ao enfrentar os generais, irrita os fardados ou “queima pontes” e assim corre riscos.

Os que pensam dessa forma, diz ele, imaginam que “um presidente da República deve tratar militares como bichos de pelúcia”.

E militares não são delicados bichinhos que mereçam tratamento diferenciado. Militares devem se submeter ao que determina a Constituição, porque não são um poder autônomo, porque nem poder são:

“As Forças Armadas não são Poder de Estado. Executivo, Legislativo e Judiciário são Poderes independentes. O Ministério Público, o Banco Central e as agências reguladores são instituições autônomas. As Forças Armadas, não. Nem independentes, nem autônomas. Têm atribuição institucional delimitada. Devem formular e executar política pública subordinada a autoridades democráticas. Fora desse terreno, sua presença se torna espúria”.

O jurista conclui:

“Punir militares individualmente envolvidos no atentado de 8 de janeiro seria passo importante. Sem anistia. Mas não reformar as Forças Armadas e as relações civil-militares é outra forma de anistia. E mais grave. Abriu-se rara oportunidade de trazer a instituição mais covarde do Estado brasileiro para a democracia. Se não agora, quando?”

E republico o trecho em que Lula fala de Janja na entrevista à Globo News, logo depois de enquadrar os militares:

“Pois bem, nós ganhamos as eleições. Então agora eu tenho quatro anos, eu quero me dedicar 24 horas por dia, e a Janja sabe disso, a Janja é minha parceira, ela sabe que ela tem que trabalhar também; ela vai fazer o que ela quiser fazer. Ela não é obrigada a ter uma agenda comigo, ela vai comigo quando ela quiser ir comigo, mas ela vai fazer o que ela quiser, porque nós dois queremos ajudar a reconstruir esse país”.

É o que está dito. Não tenham medo de ver o poder de Janja como maior do que o poder militar. Não é um confronto direto, nem precisa ser. É uma indicação de como as falas de Lula podem ser lidas.

Não temam ver a representação da mulher dentro do governo com mais relevância do que o poder dos generais.

Por que ainda acham absurdo que uma mulher destemida, com missões a cumprir, possa ter mais poder do que os fardados? Seria porque eles usam fardas e têm tropas e tanques? Por favor.

A foto ao alto é do encontro desta quinta-feira de Lula com reitores. Ele fez questão de ser fotografado com reitoras e educadoras.

Essas mulheres da foto do Pedro Ladeira, da Folha, são mais poderosas do que os oficiais que lotam quartéis ou protegem acampamentos de patriotas. Com Lula e Janja, elas serão mais poderosas.

Escrito por:

Moisés Mendes é jornalista de Porto Alegre e escreve no blogdomoisesmendes. É autor de ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim). Foi editor de economia, editor especial e colunista de Zero Hora.

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