Os ratos argentinos abandonam a toca

10 de setembro de 2022, 20:15

Os argentinos testemunham cenas de acovardamento que vão se repetir no Brasil depois da eleição, quando bandidos impunes e pregadores do golpe, já sem imunidade, não tiverem mais a proteção do governo fascista.

Um exemplo recente. José Derman, o nazista que fez declarações nas redes sociais, lamentando que Cristina Kirchner não tenha sido assassinada pelo brasileiro Fernando Sabag Montiel, foi recolhido à Clínica Psiquiátrica Alejandro Korn de Melchor Romero.

Derman estava preso. Um juiz aceitou o argumento da defesa de que o sujeito não é nazista, é doente mental.

Mas o doente mantinha até agora um instituto supremacista de pregação de ações violentas contra o peronismo e os comunistas, o Centro Cultural Kyle Rittenhouse de La Plata.

Kyle Rittenhouse é o racista de 18 anos que matou dois negros a tiros, em 2020, em Kenosha (Wisconsin). Foi a júri e obteve absolvição por unanimidade.

Enquanto as investigações vão desvendando personagens do entorno do atentado, Javier Milei, deputado e líder do movimento fascista ‘A liberdade avança’, tenta se afastar da própria turma.

Milei é economista e uma espécie de Bolsonaro esclarecido deles. É uma celebridade da televisão e ficou famoso como antikirchnerista e ultraliberal.

Assustado, o sujeito tenta se desplugar de grupos ligados ao brasileiro que tentou matar Cristina, porque a situação vai se complicando.

O jornal Página 12 mostrou na capa, nesta quinta-feira, uma foto do ano passado de Milei com Sebástian Poch.

Poch é um dos fundadores, com José Derman, do tal centro cultural de extrema direita de La Plata. A foto é de um grupo fazendo protesto diante da embaixada de Cuba.

Há um drama pessoal e de dimensões políticas assombrosas na história de José Derman, de 38 anos, ex-estudante de sociologia da Universidade Nacional de La Plata, que o expulsou depois da prisão.

O homem amigo de um líder fascista é filho de perseguidos da ditadura militar. A mãe dele, Cristina Gioglio, que faleceu há dois anos, era militante feminista de La Plata.

Foi presa e testemunhou várias vezes em processos contra os militares em acusações por crime de lesa humanidade.

O pai, Alberto Derman, militante de esquerda, foi preso duas vezes durante a ditadura.

Uma página em nome de Alberto no Facebook tem uma crítica de um amigo de Alberto à atuação do filho. E uma pergunta: por que a sede do centro cultural fica na sua casa? Não há respostas.

O jornalismo tenta obter mais informações para fazer a conexão entre o deputado, líder do fascismo argentino, os dois dirigentes
do instituto e o brasileiro.

Na parede do clube, que prega supremacia branca e a morte de ‘comunistas’, estão retratados, em pinturas grotescas, entre outros, Donald Trump, o próprio Javier Milei, o tenista Novak Djokovic e, claro, Jair Bolsonaro.

O Página 12 conta a história dessa gente e remete para outros grupos extremistas que passam, com o atentado contra Cristina, a ganhar visibilidade, como o Força Unitária Argentina.

Também a grande imprensa de Buenos Aires, do Nación e do Clarín, dois jornais inimigos históricos do kirchnerismo, vem contribuindo com um esclarecimento: não existem lobos solitários.

O que seria um lobo solitário decidido a ficar famoso matando Cristina é na verdade parte de um grupo organizado inclusive no WhatsApp, com ligações com outras redes de extremistas. Há pelo menos outras quatro pessoas suspeitas de ligação com o atentado.

Os argentinos nos mostram uma obviedade: pessoas organizadas em grupos privados de zap podem estar tramando ações violentas.

Esse esclarecimento é decisivo para que parem com a desculpa de que conversas privadas não significam nada, mas apenas bobagens ditas por uma turma de amigos extremistas.

Os fascistas argentinos diziam o mesmo, até a tentativa de assassinato de Cristina e a constatação de que os ratos do fascismo, antes agrupados, agora estão em fuga.

Escrito por:

Moisés Mendes é jornalista de Porto Alegre e escreve no blogdomoisesmendes. É autor de ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim). Foi editor de economia, editor especial e colunista de Zero Hora.

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