O Novo Tédio Digital: como a superabundância de estímulos está criando uma epidemia especialmente nas novas gerações

1 de julho de 2025, 17:00

WhatsApp, Facebook, Messenger, Instagram, Threads, Workplace, Oculus (proposta similar à do Minecraft) – todas essas controladas pelo grupo Meta, de Mark Zuckerberg.-, YouTube, X, TikTok, LinkedIn, Kwai, Telegram, Pintererest, Snapchat, Discord, Reddit, Line (essa última uma empresa coreano-japonesa) – a lista não tem fim. Além de dispender um tempo enorme, especialmente nos smartphones – cada vez mais sofisticados e invasivos -, roubando o tempo para ler, escrever, brincar, conviver socialmente, praticar esportes, viajar, aprender com o mundo real, especialistas têm dito que a particularidade das redes sociais é que o seu uso contínuo por parte dos jovens também pode levar a outros problemas, como insegurança, isolamento da vida real e das interações cara a cara e perda da qualidade do sono. Mesmo com acesso ilimitado a séries, redes sociais, games e conteúdos infinitos, por que estamos voltando a sentir tédio? É o que recentemente chamaram de “novo tédio social”.

Katy Tam, pesquisadora de pós-doutorado da Universidade de Toronto, no Canadá, aponta que se você tenta escapar do tédio alternando entre vídeos curtos no YouTube, Instagram ou TikTok, esse comportamento, paradoxalmente, intensificará seu tédio, de acordo com um novo estudo da Associação Americana de Psicologia. Como o algoritmo, a que nenhum mortal fora das big techs tem acesso, tenta preencher todo espaço ocioso, isso desgasta a atenção. Esses resultados, publicados no Journal of Experimental Psychology: General – , estão de acordo com outros estudos recentes sobre o tema – , que mostram que a vontade de parar com o tédio é um dos sentimentos.

Katy Tam, pesquisadora de pós-doutorado da Universidade de Toronto, diz que se se você tenta escapar do tédio alternando entre vídeos curtos no YouTube, Instagram ou TikTok esse comportamento, paradoxalmente, intensificará seu tédio. Foto: Instagram.

“O tédio funciona para informar que as circunstâncias presentes carecem de significado e motiva a busca por algo mais gratificante”, escreveram autores do estudo publicado no Journal of Experimental Psychology. Não importam o quanto consumam o conteúdo das redes, especialmente vídeos, isso não o satisfará – como uma droga, o que tende a gerar não apenas o isolamento social, já mencionado, mas um esgotamento mental.

“Celulares, internet e as mídias sociais são uma droga potente”, afirma a professora da Universidade Stanford, a psiquiatra americana Anna Lembke, professora da Universidade Stanford e chefe de uma clínica especializada em dependência química, é uma das principais especialistas no assunto atualmente”Como o tempo que eu passo no meu celular afeta minha habilidade de ser um bom pai, companheiro ou amigo? Há um custo que não é totalmente reconhecido porque é difícil enxergá-lo quando você está preso em um ciclo”, resume ela, Se isso te caiu como uma luva, mude sua vida.

Ela vai mais longe – e isso talvez te choque. Seu livro “Nação Dopamina” é best-seller mundial. Já “Nação Tarja Preta” chegou ao país recentemente como um alerta, onde alerta sobre o crescimento nas prescrições de opioides e psicotrópicos. Agora, Lembke fala sobre os perigos das chamadas “drogas digitais”, com as redes socias à frente. “Há riscos à saúde mental em razão do uso exacerbado das redes: comparação a uma infinidade de pessoas, hostilidade, bullying, humilhação, cancelamento, e os algoritmos de inteligência artificial projetados para nos levar a confrontos e conteúdos mais extremos. Leia entrevista dela a Veja.

Foto de Anna Lembke, psiquiatra americana reconhecida internacionalmente pelas pesquisas em medicina de adição. Hoje é professora e chefe da Clínica de Diagnóstico Dual de Medicina de Adição da mesma instituição. Foto: Divulgação

Sem falar em outros efeitos colaterais já comprovados: sinais de depressão, solidão, piora na qualidade do sono, problemas com autoestima e, por fim, dificultará formar ou manter sua rede de relacionamentos fora das redes. E, com tanta informação disponível, muitos rumam para o lixo, que oferece a todos, ainda que inicialmente por cursiosidade, a rumo para imagens toscas, conteúdos mais velozes, menos reflexivos. Nada socrático, meus amigos.

O filme “O Dilema das Redes”, que foi lançado em fevereiro de 2020 no festival de Sundance, nos Estados Unidos, virou assunto no resto do mundo após entrar para o catálogo da Netflix, sete meses depois. Ele fala sobre experiências digitais aparentemente banais como recomendações automáticas, notificações e publicações sugeridas funcionariam como iscas lançadas bilhões de vezes por dia pelos apps mais populares do planeta. Costurado por depoimentos de ex-executivos das maiores empresas do Vale do Silício e acadêmicos, o roteiro descreve o vício e os impactos negativos das redes sociais sobre pessoas e comunidades como resultados de estratégias criadas para manipular emoções e comportamentos e manter usuários conectados. Você é o peixe, e a isca te fisgou.

“O Dilema das Redes”: o docu-drama que você deveria assistir na Netflix. Especialistas em tecnologia acreditam que as redes sociais estão colocando a humanidade em risco. Fovo: Reprodução.

Uma frase resume o filme, e pode te inspitar a ver. “Se você não está pagando pelo produto, então você é o produto”. Quem diz isso é Tristan Harris, ex-designer do Google, citando uma máxima das empresas de internet.

Fizemos contato com a professora Henriette Tognetti Penha Morato, do Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade do Instituto de Psicologia da USP, que se posicionou recentemente no artigo “Uso excessivo das redes sociais pode levar a uma realidade ficcional”, do Jornal da USP, onde alerta que o uso intenso das redes sociais suga os usuários e leva a uma elaboração ficcional da realidade. Nas redes, as pessoas buscam alterar virtualmente o que não consideram satisfatório na vida real: “Cada um tenta dizer as coisas da maneira como vê e às vezes provoca para ver como é que vão reagir. É uma distorção criada para modificar a própria realidade com a qual não se está satisfeito ou criada para provocar alguma coisa”, afirma.

Professora Henriette Morato, da USP, coordenadora do Lefe, núcleo responsável por estudar a influência da psicologia na perspectiva da interprofissionalidade em saúde, direito e educação. Durante Encontro de Psicologia Fenomenológica. Foto: Arquivo pessoal. Fonte: Reprodução

O Brasil é, atualmente, o 5º país do mundo onde a população passa mais horas nas redes sociais por dia. Estamos atrás apenas do Kênia, Chile, Africa do Sul e Filipinas – convenhamos, não são protagonistas que nos encham de orgulho de estar nesta lista. Além disso, quando o assunto é variedade de plataformas, estamos em 4º lugar no mundo, usando por mês quase 8 redes sociais ativamente por pessoa. Quando o assunto é seguir influenciadores, ocupamos o segundo lugar. Cerca de 41,8% de quem usa redes sociais no país segue influencers. Pode chamar de coach digital também. Quando observamos o consumo de notícias via redes sociais, esse número aumenta, chegando a 52,8%, deixando o Brasil em segundo no ranking mundial. Os dados são da Special Report Digital 2025, da We Are Social.

Quem tem filhos, em idade escolar, como eu, se preocupa mais do que todos. É quase impossível controlar o uso excessivo dos smartphones, a compulsão pelas redes, e o isolamento social provocado por isso, mas podemos tentar. Não se trata de inibir o uso de tecnologia – ao contrário, é um caminho sem volta- , mas uma chance conversar sobre os novos tempos, impedir que sejam sequestrados pelas redes e pela Inteligência Artificial – e mostrar que, como todo excesso na vida, há um perigo inerente.

Imagem gerada em IA

Escrito por:

Jornalista há 40 anos, já foi repórter e editor nos maiores veículos do país - O Globo, Jornal do Brasil, Folha de S.Paulo, Correio Braziliense, Istoé - assessor de imprensa, analista sênior de informações e/ou ex-diretor de agências de comunicação corporativa - FSB Comunicação, Santafé Ideias, entre outras -, ex-professor de Jornalismo da PUC-RJ, trabalhou no Senado Federal e na Prefeitura do Rio. Já foi assíduo colaborador dos sites Os Divergentes e DCM. E criador, com meu irmão Paulo Henrique, da revista cultural Tablado, que durou 20 anos a acabou na pandemia. Premiado, entre outros, com Prêmio Esso, Embratel e Herzog. E, PRINCIPALMENTE, pai do Bruno e da Gabriela, orgulhos da minha vida.