TSE diz que difamar e fabricar fake news são crimes que só valem para mais adiante

28 de outubro de 2021, 11:39

É destruidora das mais valentes esperanças a argumentação que prevalece no Tribunal Superior Eleitoral, no julgamento das ações que pedem a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão.

Vamos acompanhar o roteiro, começando pelo mais óbvio. A campanha de Bolsonaro fez disparos em massa e disseminou fake news em 2018? Sim, disseminou.

Grandes empresários participaram do esquema, financiando uma operação complexa que não se sustentaria sem dinheiro grosso? Sim, participaram.

Houve abuso de poder econômico, com a clara configuração de atos ilícitos. Sim, o abuso dos endinheirados é evidente.

As mensagens divulgaram mentiras e mais atacaram Fernando Haddad e o PT, inclusive com difamações, do que defenderam Bolsonaro e Mourão? Sim, foi o que aconteceu.

Além dos empresários, outras pessoas participaram da estrutura delituosa organizada e capilarizada, que só se viabilizou como máquina de propaganda ilegal porque configurou uma poderosa engrenagem piramidal? Sim, foi exatamente isso.

Se isso tudo aconteceu, se os crimes denunciados nas ações são evidentes, se os adversários sofreram danos com os ataques, se os autores dos crimes são identificados, então a chapa deve ser cassada? Não.

O que prevalece até agora, com três votos a zero pela não cassação (o julgamento será retomado nesta quinta) e vai prevalecer ao final, por maioria, é que toda essa argumentação, que remete para a configuração de crimes, não é suficiente para a cassação.

A chapa não deve ser cassada porque não há como comprovar a gravidade dos atos e dos estragos provocados no inimigo. É o argumento final do relator das ações, ministro Luís Felipe Salomão, seguido pelos demais.

Isso quer dizer que liberou geral e que a produção de fake news e a disseminação de difamações transformarão a eleição numa gandaia sem punições em 2022?

Não é bem assim. O que o TSE está dizendo é que só depois das ações contra Bolsonaro a coisa será para valer. Bolsonaro e Mourão talvez sejam advertidos, mas não haverá uma punição mais grave.

O TSE está formando uma estranha jurisprudência, a de que mensagens em massa com ou sem mentiras são delitos e podem resultar na cassação de candidatos. Mas só no futuro.

Forma-se jurisprudência a partir de uma decisão que não vale para agora, só valerá a partir de 2022. Fabrica-se uma tese, usada para absolver, para que tenha valor mais adiante para condenar. É a jurisprudência estocada.

Os juristas decifram e tentam traduzir tais decisões. Mas não há como o cidadão comum, por melhor que seja a tradução, assimilar tanto contorcionismo.

Só os muito ingênuos acreditavam que o TSE poderia cassar a chapa. Poderia fazer o que acabou fazendo.

Mandou dizer aos operadores do gabinete do ódio que sabe de tudo o que eles fizeram em 2018. Mas que ficará por isso mesmo. Porque é complicado tirar Bolsonaro do jogo agora.

Mas não dava para ter tirado antes? Não dava. Antes, Bolsonaro estava blefando com o golpe e ninguém sabia ao certo se ele tinha lastro suficiente para golpear. E ações como essas precisam amadurecer e, numa situação ideal, apodrecer.

O que se passa no TSE é um prenúncio do que se vislumbra, em outras instâncias, em relação à lista de indiciados da CPI.

Anuncia-se, como consolo, que mais adiante Bolsonaro vai enfrentar o Tribunal Eleitoral por causa das insinuações de fraude nas eleições.

Se desse para resumir, seria assim resumido. Os ataques, insinuações, mentiras e difamações contra o adversário, na eleição de 2018, não tiveram tantos danos, porque o atacado era o outro candidato.

No caso do inquérito administrativo, em que o TSE examinará a acusação de Bolsonaro de que houve fraude nas urnas, os agredidos são o sistema eleitoral e a instituição que deve geri-lo e protegê-lo.

O furo aqui é mais no meio. É difícil avaliar o impacto dos crimes contra Haddad, mas pode ser fácil apontar o crime de difamação contra o sistema que o TSE representa.

Vai depender de como as coisas estarão mais adiante. Se Bolsonaro já estiver morto, sem o centrão, ainda sem partido e sem a retaguarda segura dos militares, o desfecho será facilitado.

Para repetir o bordão, dá para dizer: não são as questões jurídicas, são as circunstâncias políticas, estúpido.

(Este texto sobre as ações foi escrito antes do desfecho do julgamento em que o TSE decidiu, ao formar maioria, nesta quinta-feira, o que se previa: Bolsonaro e Mourão estão livres de qualquer punição. É publicado como foi escrito porque não muda nada.)

https://www.extraclasse.org.br/opiniao/colunistas/2021/10/a-aspirina-e-a-cloroquina/

Escrito por:

Moisés Mendes é jornalista de Porto Alegre e escreve no blogdomoisesmendes. É autor de ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim). Foi editor de economia, editor especial e colunista de Zero Hora.

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