Foto: Olympique Lyonnais/divulgação

Juninho Pernambucano mete o dedo na ferida: “Há milhares de George Floyds no Brasil”

7 de julho de 2020, 16:56

O ex-jogador Juninho Pernambucano deu uma entrevista importante ao repórter Thiago Rabelo, do jornal The Guardian, tocando numa ferida que seus colegas de futebol têm optado por ignorar: a violência policial contra os negros nas periferias brasileiras. “Há milhares de George Floyds no Brasil e outros milhares que sofreram em silêncio e que nós não conhecemos”, disse o atual diretor esportivo do Lyon em referência ao homem negro sufocado até a morte por um policial em plena rua em Minneapolis, o que provocou protestos em massa nos EUA e no mundo.

“Como é possível que uma criança de 8 anos seja morta pela polícia, como aconteceu no ano passado no Complexo do Alemão?”, questionou Juninho à publicação britânica, sobre a menina Agatha Félix, baleada por PMs quando estava com a mãe dentro de uma kombi. “Como é possível viver depois disso? Inacreditável. Olhe para George Floyd. Ele não podia respirar. Ele é um ser humano. Eu não consigo imaginar como a polícia pode fazer isso. É racismo, e é muito, muito triste.”

O filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, a despeito das milhares de mortes de inocentes que ocorrem pelas mãos da polícia nas periferias, disse que aqui “não existem casos como os de George Floyd”. As estatísticas dão razão a Juninho, não a Bananinha

“É desumano dizer que não temos George Floyds no Brasil. Os tiroteios acontecem todo dia. Homossexuais são perseguidos também e é uma das coisas pelas quais eu fico mais zangado com as pessoas que apoiam Bolsonaro.” Ele contou que teve de romper com “80% ou 90%” de seus familiares e amigos pelo apoio ao presidente. “Foi minha decisão me afastar delas.”

Em junho, o filho de Bolsonaro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, a despeito das milhares de mortes de inocentes que ocorrem todos os dias pelas mãos da polícia nas favelas e periferias, disse que não há razão para os negros protestarem porque aqui “não existem casos como os de George Floyd”.

“Se você observar o que está acontecendo nos EUA, os protestos… Eles dizem manifestações, eu diria baderna. Eles dizem contra racistas… Eles estão tentando importar isso aqui para o Brasil mesmo não havendo casos como o de Floyd, que infelizmente morreu, ninguém quer que isso aconteça. Mas eles estão tentando trazer para cá esse tipo de ‘protestos’”, disse, durante evento virtual da extrema direita norte-americana.

“É desumano dizer que não temos George Floyds no Brasil. Os tiroteios acontecem todo dia. Homossexuais são perseguidos também e é uma das coisas pelas quais eu fico mais zangado com as pessoas que apoiam Bolsonaro”, disse Juninho

As estatísticas dão razão a Juninho, não a Bananinha. As mortes pela polícia vêm crescendo desde que Jair Bolsonaro assumiu o poder. Foram 5.804 pessoas mortas em “confronto” com policiais no ano passado, sendo que muitas vezes este “confronto” tem apenas um dos lados com armas em punho. O Rio de Janeiro, onde mataram Agatha, teve, nos cinco primeiros meses de 2020, o maior número de mortos pela polícia em 22 anos: 741 vítimas. E, em 2019, 80% das pessoas mortas pela polícia fluminenses eram negras e pardas. Portanto, até pela lógica, é impossível não haver vários Georges Floyds sendo mortos diariamente nas mãos de policiais.

Em 2016, a CPI do Senado que investigou o Assassinato de Jovens no Brasil chegou à conclusão que há em curso em nosso país um genocídio da juventude negra. A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no Brasil; todo ano, 23.100 jovens negros de 15 a 29 anos são mortos; a taxa de homicídios entre jovens negros é quase quatro vezes a verificada entre os brancos –são os números apontados pelo relatório. Não se briga com os números e não se maquia a realidade.

Entre as razões para o genocídio de negros estão os famigerados “autos de resistência”, que favorecem a impunidade ao trazer unicamente a versão oficial para os supostos “confrontos”, em que o policial afirma ter atirado porque o morto “ofereceu resistência”. De acordo com a CPI, em virtude dos “autos de resistência”, 99% das mortes que ocorrem pelas mãos de policiais são arquivados sem investigação, e em 21% dos casos as vítimas tinham menos de 15 anos.

Quando George Floyd foi morto, o craque Neymar foi cobrado por não se pronunciar e acabou postando uma tela negra com a hashtag da campanha #BlackLivesMatter no instagram. No entanto, nunca houve uma só manifestação do jogador criticando a violência policial em seu país de origem. Juninho, aliás, alfineta Neymar como imaturo na entrevista ao Guardian. “Precisa se questionar e crescer”, disse.

Juninho Pernambucano não só desmanchou uma narrativa feita para desestimular os negros a irem às ruas reivindicar direitos como deixou a nu a falta de compromisso de seus colegas jogadores, muitos deles oriundos das periferias, com a violência policial cometida contra sua própria gente. Precisamos de milhares reagindo aos assassinatos dos nossos milhares de George Floyds, uma reação que também deveria partir de dentro do futebol.

Escrito por:

Cynara Menezes é baiana de Ipiaú e tem 53 anos. Formou-se em jornalismo pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) em 1987. Desde então, percorreu as redações de vários veículos de imprensa, a começar pelo extinto Jornal da Bahia: Jornal de Brasília, Folha de S.Paulo, Estadão, revistas IstoÉ/Senhor, Veja, Vip, Carta Capital e Caros Amigos. Atualmente se dedica com exclusividade a seu site Socialista Morena. É autora dos livros Zen Socialismo (os melhores posts do blog Socialista Morena), pela Geração Editorial, O Que É Ser Arquiteto, com João (Lelé) Filgueiras, e O Que É Ser Geógrafo, com Aziz Ab’Saber, os dois últimos pela editora Record.

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