Jair Bolsonaro e Generais (Foto: Marcos Corrêa/PR)

A função dos militares

23 de novembro de 2020, 18:10

Uma das consequências de Jair Messias estar oscilando sempre entre uma agressividade tosca e uma boçalidade patética, é uma exaustão que acaba nos distraindo do principal – ou seja, o esquartejamento do patrimônio nacional, da educação e da saúde públicas, o esmagamento da pesquisa universitária, das artes e da cultura, a paralisia de projetos sociais, enfim, nos distraindo da demolição do país.  

O que estão fazendo com o meio ambiente ainda chama a atenção, graças às dimensões da tragédia e sua repercussão mundo afora, mas com relação ao resto há pouco espaço para tentar resistir. É preciso ter sempre claro qual a conjunção de fatores nos trouxeram à devastação.

E que, aliás, que só não é maior porque Paulo Guedes não consegue avançar com seu projeto perverso. O perigo, em todo caso, paira no ar.

Um desses fatores permanecia – e ainda permanece, ao menos em seus detalhes e alcances – meio que nas sombras: o papel das Forças Armadas nessa turbulência toda.

A esta altura está mais que sabido que um conluio que uniu os grandes meios de comunicação, o empresariado e o mercado financeiro, além da atuação de um manipulador desonesto chamado Sergio Moro, que agiu diante do comportamento poltrão das instâncias superiores da Justiça, abriu caminho para uma aberração chamada Jair Messias.

E os militares, onde estavam?

Pois agora, no começo de novembro, surgiram pistas nítidas para quem quiser ir mais fundo no assunto.

Denis Rosenfield, de cujo reacionarismo extremo ninguém pode duvidar, reuniu num livro depoimentos que Michel Temer registrou dia a dia enquanto usurpou a presidência.  

Curiosa, a trajetória de Rosenfield: tão logo o golpe contra Dilma Rousseff triunfou, ele foi mencionado para vários ministérios de Temer. Acabou reduzido ao papel de confidente palaciano.

No livro, Temer admite, cândido e impávido, que manteve vários encontros, desde 2015, com o então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, e o chefe do Estado Maior, o também general Sergio Echegoyen.

Rosenfield deixa escorrer algumas revelações importantes. A posição das Forças Armadas em relação ao PT teria mudado a partir da instalação da Comissão da Verdade por Dilma. Além disso, havia a desconfiança de que ela tentasse mudar a Lei da Anistia, que assegurou aos agentes do Estado, fardados ou não, imunidade pelos crimes de lesa-humanidade cometidos durante a ditadura.

Não se sabe a partir de qual base ou indício desenvolveram essa desconfiança, mas ficou claro que já se moviam se não ao lado, pelo menos acompanhando de perto os movimentos que levariam ao golpe de 2016.  

Em seus tempos falantes, Villas Bôas não teve pejo na hora de ameaçar diretamente o Supremo Tribunal Federal para impedir um habeas corpus para Lula. Padecendo uma enfermidade perversa e irreversível, Villas Bôas já não participa de nada. Mas sua atuação foi essencial para o golpe.

E os que hoje estão ativos nos comandos e nos quartéis, como veem a cumplicidade de seus colegas empijamados com o aprendiz de genocida? Até que ponto estarão dispostos a se mover para impedir uma eventual volta da esquerda ao poder?  

A imagem institucional das Forças Armadas, arduamente reconstruída ao longo do tempo depois do fim da ditadura, vem derretendo à raiz da sua associação, ainda que indireta, com o pior presidente da história da República. A submissão de um general da ativa à frente do ministério da Saúde aos desmandos do psicopata que o nomeou é, mais que humilhante, patética.  

Alguma razão ainda nas sombras deve explicar, se não justificar, o papel dos militares diante do descalabro vivido pelo país.  

Serão meros cúmplices? E por qual motivo, e até que ponto?

Escrito por:

Eric Nepomuceno é jornalista e escritor

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