Luciano Hang e Felipe Neto (Foto: Reprodução)

A grande imprensa não socorreu Felipe Neto

19 de dezembro de 2021, 15:50

Se o jornalismo retomasse grandes pautas abandonadas pelo caminho, o youtuber Felipe Neto poderia ter informações decisivas para se defender no processo em que Luciano Hang, o véio da Havan, o acusa de injúria.

A pauta desprezada é a que deve tratar com profundidade da macabra falsificação de atestados de óbito na Prevent Senior, transformada num centro de experimentos bolsonaristas.

Foi provado pela CPI, com documentos de um dossiê de médicos da Prevent, e reafirmado em depoimentos, reportagens e agora em documentário da Globo, que os atestados eram fraudados pela clínica.

As causas das mortes de idosos por Covid deveriam ser outras, segundo a direção. A fraude era sustentada na desculpa de que a doença provoca complicações variadas.

A clínica já admitiu que constavam em muitos atestados doenças diversas que teriam matado seus pacientes. A Covid ficava de fora.

As causas poderiam ser pneumonia, ataque cardíaco, crise hepática, falência múltipla de órgãos, hemorragia. Todas como consequência da Covid, que estava na origem das complicações. Mas não eram vistas assim pela clínica.

O caso mais famoso é o da mãe de Luciano Hang. O empresário disse à CPI que a causa da morte da mãe, registrada no atestado, não era a Covid por falha de quem estava no plantão na hora da morte. E que depois o erro foi reparado.

A CPI pediu o indiciamento de dois médicos da clínica. Eles registraram na certidão uma série de doenças, mas sem referência ao vírus e à Covid.

Os nomes desses médicos estão, é claro, na lista de pedidos de abertura de inquérito enviada ao Ministério Público pela CPI.

Não vou identificar de novo os profissionais, já bastante expostos, porque os indícios são de que eles foram empurrados para um crime.

Mesmo que venham a ser considerados protagonistas ou cúmplices de uma fraude, certamente há mais gente poderosa acima deles, incluindo os donos da Prevent, na mesma lista da CPI.

O jornalismo das corporações deveria ter saído atrás dessa e de outras histórias de terror para saber se dois médicos seriam mesmo capazes de errar, com um longo e detalhado prontuário do doente, a causa da morte de alguém.

Faltou coragem da grande imprensa, com equipes e aparatos gigantescos, para conferir de perto essa história, como o jornalismo faz com pautas semelhantes.

Se os jornais tivessem feito a investigação desses casos, hoje saberíamos o que é verdade e o que é mentira nas suspeitas de que o véio da Havan sabia ou envolveu-se com a falsificação do atestado de óbito da própria mãe.

O presidente da CPI, Omar Aziz, disse coisa parecida com a sugerida por Felipe Neto. O senador afirmou, antes do depoimento do homem, ter informações na mesma direção. Mas a CPI não conseguiu provar a culpa do véio, apesar das suas muitas versões para o caso.

A imprensa se fez de morta e o que temos até agora de concreto nesse caso específico é a acusação, feita pela CPI, contra os dois médicos. Eles vão encarar sozinhos uma bronca deste tamanho?

A outra questão desse imbróglio é que, num dos processos contra Felipe Neto, por dano moral, o empresário pede uma indenização de R$ 300 mil.

O homem confia plenamente na Justiça, onde já conseguiu prescrições de processos e, quando foi autuado por sonegação, teve boas negociações de dívidas que pagaria em mais de 100 anos e que foram depois anuladas.

A internet está abarrotada de reportagens sobre os casos em que ele vence sempre. Deve vir daí sua confiança absoluta na Justiça.

Confia tanto que está querendo de Felipe Neto R$ 100 mil a mais do que o que deverá ser pago à mãe de um jovem de 20 anos sequestrado, torturado e morto em 1969 por agentes da ditadura.

O desembargador Johonsom di Salvo, da 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, manteve em setembro deste ano uma condenação de primeira instância e fixou o valor.

A mãe de um brasileiro morto por torturadores a serviço dos ditadores (nunca punidos por seus crimes) receberá da União menos do que o véio da Havan quer receber por dano moral de Felipe Neto.

O valor deve ser pago a essa senhora pobre com juros e correção monetária. Se não tivesse juros e correção, seria muito menos.

Outro detalhe: a indenização à mãe do rapaz morto será paga por dano moral, porque o militante político foi enterrado como indigente, sem que a família tivesse sido avisada, e não porque foi sequestrado, torturado e assassinado.

Escrito por:

Moisés Mendes é jornalista de Porto Alegre e escreve no blogdomoisesmendes. É autor de ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim). Foi editor de economia, editor especial e colunista de Zero Hora.

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