TSE não parou a usina de calúnias de Bolsonaro

A lição da guerra gaúcha para a batalha que o TSE diz ter vencido

29 de outubro de 2021, 18:18

Uma historinha para os que acolhem com certa candura a versão dos ministros do Tribunal Superior Eleitoral de que eles e a Justiça venceram os fascistas das fake news.

Os brigões de pátio do Ginásio Osvaldo Aranha, no Alegrete, na região da campanha gaúcha, sempre falaram e ouviram a mesma frase a cada ameaça de enfrentamento:

– Diz de novo o que tu falaste agora e eu te dou uma surra.

A maioria não dava e até hoje não dá surra alguma. Os que davam surra mesmo não falavam essa frase. Osvaldo Aranha, filho ilustre da terra, que duelava em tiroteios com os inimigos, nunca deve ter falado.

Osvaldo brigava de verdade. A frase na base do “eu te pego na próxima vez” é o bordão clássico dos que vão adiando confrontos, pelos mais variados motivos.

Foi o que o Tribunal Superior Eleitoral fez com as quadrilhas de fabricantes e disseminadores de fake news e difamações na campanha de Bolsonaro em 2018.

Ficou para a próxima vez. Os ministros sabem que o gabinete do ódio existe, como bem disse Alexandre de Moraes. Sabem quem comandava o gabinete, dentro do governo.

Sabem em detalhes quem são os empresários que financiaram sem medo essa estrutura milionária em 2018.

Mesmo que o Supremo não tenha repassado ao TSE as provas dos financiadores, eles sabem quem são cada um deles.

Os ministros do TSE sabem até mesmo por que o Supremo sonegou a transferência das provas contra os empresários, obtidas no inquérito das fake news que corre no STF.

Os ministros, a torcida do Flamengo e as emas do Alvorada sabem que houve abalo das fake news na candidatura de Haddad, assim como as fake news continuam abalando até hoje o combate à pandemia.

Sabem que todas essas ações são criminosas. Mas preferiram avisar que, da próxima vez, não tem perdão. Mas só da próxima vez.

O ministro Luis Roberto Barroso elaborou a melhor definição do que aconteceu, na linha do “eu te pego na próxima vez”.

Barroso disse, com entonação de presidente do TSE e de quem falava algo para ser gravado em bronze:

– Essa não é uma decisão para o passado, é uma decisão para o futuro.

A decisão de fazer o aviso, alertando para a intolerância com atos criminosos, passa a valer daqui pra frente. O passado é perigoso demais. Que se pense no futuro.

E como será esse futuro em que Bolsonaro, os filhos e as milícias poderão avacalhar com a eleição? Todos sabem que poderá ser devastador, se a ameaça do TSE for apenas uma ameaça.

A mais alta corte eleitoral, que sabe muito bem o que julgou, que sabe por que adiou punições e que sabe o que vem por aí não pode mais alegar que foi pega de surpresa.

O TSE, o Supremo, o Congresso, o Ministério Público, a OAB – todas as instituições da democracia, incluindo a Polícia Federal, não poderão ser derrotadas de novo pelo gabinete do ódio.

Não há como admitir que, depois do que aconteceu no julgamento desta semana, o Judiciário seja fraco para enfrentar milicianos da extrema direita.

O TSE vai ter de pegar os criminosos da próxima vez, ou será desmoralizado pela ameaça de pátio de colégio.

Os ministros deveriam aprender a lição de um episódio com Osvaldo Aranha, o gaúcho que não fugia das brigas.

Conta-se que nas guerras entre chimangos e maragatos, em 1923, no Rio Grande do Sul, aconteceu uma batalha sanguinária no Alegrete. Foi no dia 19 de junho, na ponte de acesso à cidade.

Guerrilheiros maragatos, inimigos dos chimangos, que eram herdeiros do poderoso Julio de Castilhos e estavam no poder com Borges de Medeiros, chamaram os governistas para a luta.

Flores da Cunha, um dos líderes dos chimangos, decidiu enfrentar os maragatos a cavalo. Reuniu um grupo e saiu galopando e gritando em direção aos inimigos:

– Os que tiverem vergonha, que me sigam.

Osvaldo Aranha tinha 29 anos e decidiu seguir ao lado de Flores. Levou um tiro no pulmão e quase morreu. Mas os chimangos defenderam a cidade e colocaram os maragatos a correr.

Honório Lemes, o líder dos guerrilheiros de lenço vermelho, que ordenou a retirada, disse depois que fugiram porque estavam vencendo.

O mais prudente, disse ele, era correr para os campos do Caverá. Os vitoriosos deixavam o território tomado para os derrotados.

O folclore da política gaúcha atribui a Honório Lemes uma frase que talvez ele nunca tenha dito, porque era um valente, para resumir a decisão tomada:

– Fujam porque estamos vencendo.

A frase de Lemes era uma fake news em tempos de degolas e de todo tipo de banditismo na guerra sem fim pelo poder no Rio Grande do Sul. Lemes, sem levar um tiro, era o perdedor. Osvaldo, com um tiro quase mortal, havia vencido.

Espera-se que o TSE não continue insistindo com a versão de que venceu ao se retirar do campo de batalha sem na verdade derrotar ninguém.

O TSE não derrubou nenhum inimigo da democracia esta semana. Nenhum. E mesmo assim saiu em retirada cantando vitória para o futuro.

Se foi uma retirada estratégica, tudo bem, porque é parte da guerra, da guerrilha, do jogo, da política e até do Judiciário.

Se foi apenas um blefe, como o atribuído a Honório Lemes em 1923, veremos mais adiante. No Alegrete, todos sabem quem venceu aquela batalha.

Escrito por:

Moisés Mendes é jornalista de Porto Alegre e escreve no blogdomoisesmendes. É autor de ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim). Foi editor de economia, editor especial e colunista de Zero Hora.

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