Jair Bolsonaro em uma maçonaria (à esq.) (Foto: Reprodução)

Admiração de Bolsonaro à Maçonaria tem a ver com a repressão na ditadura

6 de outubro de 2022, 18:28

Nos últimos dois dias o Twitter foi inundado de posts sobre a Maçonaria e a presença de Bolsonaro e militares, numa reunião festiva em uma loja maçônica, para comemorar o golpe de 1964. O que uma coisa tem a ver com a outra? Tudo. A maçonaria financiou e abrigou elementos do aparato repressivo. Juntamente com uma instituição ligada à Igreja Católica, a Irmandade Santa Cruz dos Militares, davam sustentação ao sistema que matou e desapareceu com os corpos de presos políticos ou de pessoas que se rebelaram contra a ditadura (1964/1985). Por isso as imagens de Bolsonaro e militares em reuniões festivas na Loja Sol do oriente não surgiram por acaso.

A Sol do Oriente foi um dos pilares da repressão, juntamente com a ala retrógrada da Igreja. A Irmandade funciona ainda hoje, no interior da Igreja São José dos Militares, na Rua Primeiro de Março, no Centro do Rio. Era na “irmandade” onde se abrigavam todos os “arapongas” e torturadores a serviço da ditadura, que recebiam um “por fora” para atuar além de suas funções: ou de funcionário público – trabalhando na vigilância e “deduragem” de colegas nas diversas repartições -, ou como policial, em alguma função do aparato repressivo especificamente, dando “porrada” nos porões, durante “interrogatórios”. Eufemismo para sessões de tortura que, pelo nível de sofrimento impingido aos presos políticos, terminavam com a morte do torturado, tendo produzido (número oficial do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade) 434 mortos e desaparecidos.

 Fundada em 1623, com o nome de Vera Cruz, pelo governador Martim de Sá, a irmandade funciona como uma “associação civil religiosa/católica, formada por oficiais da ativa, reserva da 1ª Classe e reformados, pertencentes ao Exército Brasileiro.  A Irmandade Santa Cruz dos Militares (ISCM) realiza atividades religiosas, beneficentes e filantrópicas. Os objetivos da Irmandade consistem em prestar cultos religiosos à Cruz, símbolo da associação; estimular o aprofundamento fé cristã; dar sepultura aos corpos dos seus irmãos e apoio às suas viúvas, aos seus viúvos e aos seus órfãos, oferecendo serviço de assistência social aos seus órfãos”. Essa é a definição institucional contida no portal: http:www.iscm.org.br.

No passado distante, a Irmandade socorreu os órfãos da Guerra do Paraguai (1864/1870); e da Guerra dos Canudos (1893/1897). No passado recente, sustentou (enquanto em atividade) e depois acolheu os “arapongas” e torturadores desligados do sistema de repressão, principalmente com o fim do SNI (extinto oficialmente pelo ex-presidente Fernando Collor em 1990, depois de lenta agonia, iniciada com os desligamentos dos quadros em 1982/1983). Por isto era comum entre os policiais e agentes da repressão, o tratamento de “irmãozinho” ou “irmão”; uma forma de se reconhecerem.

A ligação da ISCM e a Loja Maçônica começou com a fundação da organização que tinha como lema: “bandido bom é bandido morto”, a Escuderie Le Cocq, criado em homenagem ao delegado Milton Le Cocq.

Em entrevista para o meu livro: “Claudio Guerra – Matar e Queimar”, Editora Kotter –, o atual pastor e ex-delegado do DOPS, Claudio Guerra, revelou como funcionava esse emaranhado que mantinha financeiramente os porões. Ao ser perguntado: “Como entrou para o sistema repressivo, Guerra foi passo a passo revelando o funcionamento da “máquina”.

“Quem idealizou o golpe foi o general Golbery do Couto e Silva financiado pela CIA, através do programa “Aliança para o Progresso”. Ele era maçom. Muito disso (a repressão) era feito pela irmandade. O que eu sei é que ela funcionava só com os militares”, esclareceu.

– O que é a irmandade?

– Vou falar do que eu sei por experiência de ter vivido. Se você pegar a história do mundo vai ver que a maçonaria veio desde o princípio. Como eu conheci a Irmandade? Quando foi criada a Escuderie Le Cocq. Alguns delegados eram maçons. E todo membro que entrava para a escuderia, de lá ia para a maçonaria. (A Le Cocq era uma organização extraoficial que nasceu no Rio de Janeiro, em homenagem a Milton Le Cocq, delegado de polícia assassinado pelo criminoso Manoel Moreira, o Cara de cavalo, na década de 1960. Atuava como um esquadrão da morte, sob o lema: bandido bom é bandido morto). O grupo teve também ramificações em São Paulo e Vitória.

– Entrar para a maçonaria era uma espécie de prêmio?

– Era um prêmio. Todos queriam ser maçons. A escuderia dava status e era até um meio de ganhar contato e ser ajudado financeiramente. Vou dar um exemplo. Houve um médico que entrou na maçonaria e se destacou, foi ser político. Um belo dia resolveu sair e ficou a zero.

Segundo Claudio Guerra, a Irmandade pagava um salário para delegados e agentes que se destacavam na repressão aos que enfrentavam a ditadura.

– Mas por que entravam primeiro para a irmandade e não para a maçonaria direto?

– Porque tinha que ter a cobertura como militar. A irmandade foi feita lá no Império. É como a maçonaria, que surgiu com a pecha de fazer caridade e não é nada disso. Quem ia para a irmandade era sondado para qualquer coisa.

– E qualquer coisa significava…

– É como a máfia. Você faz um favor e depois vai pagar um preço mais alto.

– Então ela podia dispor daquele sujeito… para matar, para qualquer coisa?

– Vou dizer uma coisa. Quando eu fui aliciado, quer dizer, quando eu fui levado, foi para matar. A irmandade existia como um braço militar dentro da Igreja para fazer boas ações, assistência a crianças órfãs, mas mudou.

– De 1964 para cá, a irmandade mudou de destinação e filosofia. Passou a ser o quê?

– Ela financiava tudo o que acontecia. Era a maneira de ficar por trás, coordenando tudo.

– E de onde vinha o dinheiro?

– Vinha do empresariado, mas acho que da maçonaria também.

Ou seja, a relação de Bolsonaro e os seus generais com a Maçonaria vem de longe. Dos tempos em que era usual “comemorar” o golpe de 1964, reunindo a turma da pesada na instituição que protegeu e financiou os que prenderam e arrebentaram. Com o fim da repressão e do SNI, de acordo com o que contou Claudio Guerra, tanto a Irmandade quanto a Maçonaria ampararam os que complementavam o salário dando expediente nos porões, encaminhando-os para fazer bicos como segurança de empresários e bicheiros. Foi assim que ele se aproximou de Castor de Andrade, mas isto é outra história…

Escrito por:

Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora-pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" e "Imaculada", membro do Jornalistas pela Democracia

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