Eduardo Galeano (Foto: Reprodução)

As Veias (ainda e sempre) Abertas da América Latina

29 de abril de 2021, 12:58

Também foi – vejam só – num abril, o de 1971, que apareceu um livro chamado “As Veias Abertas da América Latina”. Exatos 50 anos.

Caso raro no mundo editorial, apareceu ao mesmo tempo em edição cubana, da Casa de las Américas, mexicana, da emblemática SigloXXI, e uruguaia, da editora da Universidad de la República.

Seu autor, Eduardo Galeano, já era um jornalista conhecido em seu país, o Uruguai, e também do lado de lá do rio da Prata, na Argentina.  

Aos 31 anos, havia publicado uma série de livros de reportagens, depois da sua estreia, nove anos antes, com a novela Los días siguientes, que, como ele mesmo dizia, “por sorte caiu no esquecimento”.  

Em 1967, aos 26, lançou “Guatemala, país ocupado”, que causou impacto e fez com que seu nome começasse a circular por toda a América Latina. Naquele mesmo ano apareceram os contos de Los fantasmas del día del león y otros relatos, com suas primeiras digitais na literatura de ficção. Em 1971 “As Veias Abertas” fizeram dele, rapidamente, um autor de referência.

O resto é história. O livro foi traduzido para mais de vinte idiomas, vendeu mais de cinco milhões de exemplares e continua vendendo muito.  

Depois que, entre 1982 e 1986, apareceram os três volumes da trilogia “Memória do Fogo” – ‘Os nascimentos’, ‘As caras e as máscaras’, ‘O século do vento’ – que, aliás, ele considerava e eu considero sua melhor obra, Galeano tornou-se das figuras latino-americanas, e não só da literatura, de maior projeção e relevância mundo afora.  

Recebeu prêmios de primeira linha e homenagens luminosas, porém gostava mesmo era de histórias de leitores anônimos, gente comum, para quem o livro tinha sido escrito.

Como, por exemplo, o caso do secundarista portenho que percorreu um longo par de vezes todas – todas – as livrarias da avenida Corrientes, em Buenos Aires.  

Em cada uma parava, lia um trecho, partia para a seguinte, e depois voltava repetindo tudo na calçada oposta (a Corrientes foi, e de certa forma ainda é, embora menos, uma avenida atopetada de livrarias). Sem dinheiro para comprar o livro, leu tudo assim, entremeando caminhadas.

Ou da jovem estudante que, meio-a-meio com uma colega, comprou o livro. Num ônibus, uma lia trechos para a outra.  

Até que uma delas se empolgou tanto que passou a ler em voz alta para todos os passageiros.  

Quando chegaram na parada pretendendo descer, ouviram pedidos que ficassem, para continuar lendo. Ficaram e formam aplaudidas.

Em 2009, quando Barack Obama visitou Hugo Chávez em Caracas, ganhou do venezuelano um exemplar do livro. A notícia correu, veloz, e em menos de uma semana “As Veias Abertas” saltou para o topo da lista dos mais vendidos na Amazon.  

Galeano, porém, preferia histórias como as do rapaz das livrarias e das jovens do ônibus.

Em 2010, numa introdução à nova tradução de “As Veias Abertas” feita pelo estupendo escritor gaúcho Sérgio Faraco, ele deixa, logo na entrada, uma observação certeira: “O autor lamenta que este livro não tenha perdido atualidade”.  

Tinham-se passado 39 anos do lançamento de “As Veias Abertas”.

O que diria ele hoje, quando o livro cumpre meio século?

O que diria ele deste Brasil destroçado, vítima de um genocida desequilibrado, este Brasil que, para Galeano, era uma segunda pátria?  

As veias continuam, ainda e sempre, abertas nessas nossas comarcas. Até quando?

Escrito por:

Eric Nepomuceno é jornalista e escritor

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