FHC adquire lentes para a consciência social

5 de outubro de 2020, 16:40

Num magnífico exemplo de tolerância religiosa, conforme já amplamente comentado, o Papa Francisco só enxergou na letra do “Samba da Bênção” de Vinicius de Moraes/Baden Powell – de gritante influência dos cultos de matriz africana -, o afeto e o encontro. O papa usou a letra de Vinicius para falar do futuro incerto de um mundo dominado pela “economia do descarte” e da inutilidade de um capitalismo que não serve para igualar e felicitar os povos.

“A pandemia deixou a descoberto as nossas falsas seguranças. Ficou evidente a incapacidade de agir em conjunto. Apesar de estarmos superconectados, verificou-se uma fragmentação que tornou mais difícil resolver os problemas que nos afetam a todos.”

O trecho acima faz parte da encíclica “Fratelli Tutti” (“Todos Irmãos”, em italiano), assinada pelo Papa em Assis (cidade natal do santo, na Itália central) em 3 de outubro, data em que o fundador dos franciscanos (São Francisco de Assis), morreu em 1226.

Em um encontro virtual, no sábado, (03/10) entre o ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica e o linguista Noam Chomsky, para discutir “O futuro sem Bordas”, no seminário “Movimento e Festival de Impacto Socioambiental”, ambos disseram que cabe aos jovens e a todos cuidar do planeta. E para isto é preciso frear o consumo, parar de queimar e sujar tudo à volta, reduzindo a depredação.  Um recado parecido com o de Francisco. Para ambos, esta mudança de atitude vai, de quebra, nos proporcionar um ganho de tempo livre para a família e os afetos.

Na contramão desses conceitos, estão aí a desfilar diante dos nossos olhos os editoriais dos jornalões a pedir cortes de salários e benefícios, redução do tamanho do estado, arrocho em cima da classe média e a manutenção do teto de gastos, que estrangula o nosso futuro.

O artifício, criado na esteira do golpe de 2016, engendrado pelo PSDB do ex-presidente Fernando Henrique, juntamente com o MDB de Michel Temer – o preposto escolhido para executá-lo -, não permite que a economia gire e inclua os desempregados expelidos pela imperícia do ministro Paulo Guedes, no início do governo, quadro agravado pela pandemia.

Agora, quando o estrago está feito e Fernando Henrique tem tempo de flanar pela cidade onde vive, ele consegue enxergar e se sensibilizar com os pobres jogados nas calçadas, frutos da sua ideologia torta, do seu liberalismo desenfreado, e da sua impaciência em deixar que a história e a política seguissem o seu rumo.

Num artigo lamurioso, como têm sido as suas últimas declarações, com uma demão de “consciência social” adquirida na liquidação da Covid-19, FHC escreveu no final de semana: “Mesmo quando vou trabalhar, na Rua Formosa esquina com o Vale do Anhangabaú, é fácil ver quanta gente “perambula” e à noite dorme na rua.”

Seria o caso de nos perguntarmos: está de óculos novo? Esses pobres estão aí desde a sua “mãozinha” para derrubar o governo democraticamente eleito da ex-presidente Dilma, quando o índice de desemprego estava na casa dos 4,3%.

Mais adiante, numa declaração beirando o risível, prosseguiu: “não desejo nem posso precipitar o andamento do processo político. É melhor esperar que se escoe o tempo de duração constitucional dos mandatos e, principalmente, que apareçam “bons candidatos”…

Mas o que é isto, minha gente? Ataque repentino de amnésia? Pois não foi ele mesmo a trabalhar para o rompimento constitucional em 2016?

E, não menos inusitado, sugeriu: “A única saída razoável para esse dilema (a ameaça da volta da inflação e do endividamento) é apostar em uma reforma administrativa para os atuais servidores, acompanhada de algumas medidas de desindexação de despesas. Junto com a reforma, o governo poderia mexer na regra do teto, para, ao mesmo tempo, abrir espaço orçamentário ao gasto e não provocar uma reação muito negativa no mercado”. A esta altura, só mesmo perguntando gaiatamente: E o que é que você vai dizer em casa, FHC?

Escrito por:

Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora-pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" e "Imaculada", membro do Jornalistas pela Democracia

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