Lula (Foto: Ricardo Stuckert)

Lula busca a vitória irreversível

1 de fevereiro de 2022, 11:15

O Brasil já tem perto de 500 mil armas registradas e distribuídas país a fora. Até novembro de 2021, o Exército concedeu 1.162 novos registros por dia a caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs), nas mãos de um público predominantemente masculino, na faixa de 25 a 45 anos, (de acordo com apuração de O Globo).

Estamos no ano de 2022, rumo ao período eleitoral, em um país convulsionado pelo ódio em que um reduto de 22% de um eleitorado fanático idolatra o ocupante do Planalto e sonha com o que aconteceu nos EUA. E daí? E daí, pano rápido. 

Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente da República, readquiriu os direitos políticos e está apto a se candidatar a uma eleição que, a julgar pelas pesquisas, ele teria tudo para ganhar fazendo ou não uma aliança ampla com a centro-direita. Aparece nas pesquisas com cerca de 41%, contra 22 ou 23% de Bolsonaro, conforme o instituto.

Há muito Lula vem sinalizando a vontade de ampliar o leque de forças que o apoiam. Tal qual uma bordadeira ele começou separando as linhas por cores e texturas, caprichosamente. Os primeiros contatos tiveram início em junho, em um almoço na casa do ex-ministro da Defesa, Nelson Jobim, quando de maneira surpreendente ele apareceu em uma foto ao lado de Fernando Henrique Cardoso, sabidamente seu opositor. Em seguida fechou-se em copas até que iniciou uma série de viagens para estados onde via possibilidade de alianças e palanques onde coubesse o PT e a sua candidatura (ainda não anunciada). 

Tudo vinha sendo feito discretamente, como manda o figurino político, até que no estrepitoso jantar em um restaurante da capital paulista, Lula se deixou fotografar ao lado de Geraldo Alckmin, que estava de malas prontas para deixar o PSDB de FH. A ideia era que Alckmin se mostrasse disposto a abrir caminho para um almejado governo de São Paulo, a Fernando Haddad. Um reforço e tanto para um possível – e palpável – mandato de Lula.

Até então, as negociações nesta direção se deram em surdina, com cuidado, para preparar a militância. Comunicada desta forma, a base certamente reagiu, vendo um partido fundado há mais de 40 anos, de baixo para cima, no chão de fábrica, ter o seu vice escolhido por um grupo de cristãos novos, em endereço estranho à realidade do partido e, o mais grave, ungindo um nome do campo oposto. A foto caiu mal no seio do partido e fora (nos movimentos sociais), que espernearam e reagiram.

Lula, vindo com o moral elevado de um volteio pela Europa, onde foi recebido com honras de Estado e fez falas históricas, como quando questionou por que os governos que rejeitavam os refugiados não se debruçavam sobre uma busca de solução para o problema dos países de origem daquelas pessoas, em vez de lançá-las ao mar? Sem dúvida voltou fortalecido e trazendo na mala muito mais esperança e estímulo para chegar lá.

De posse de tal espólio, disparou entrevistas em que aos poucos ia soltando a ideia de que era, sim, Geraldo Alckmin, o vice dos seus planos. Aos que fizeram muxoxo à sua escolha, mesmo Lula sabendo que poderia se lançar a uma campanha mais difícil, mas raiz, porém mais próxima do povo do que das salas refrigeradas da Faria Lima, o ex-presidente foi explicando aos poucos que uma ampliação da aliança era mais que necessária, pois ali, em Brasília, mora um monstro que solta farofa pelas ventas e precisa ser derrotado. 

Alckmin não viria para agregar votos, mas governabilidade, repetiam os que estão em torno de Lula. Com um nome tão à direita, as suspeitas sobre o seu radicalismo – que todos sabemos são pra lá de infundadas, inclusive os que imputam a ele o epíteto -, seriam parcialmente diluídas, embora ninguém tenha ilusão sobre a ferocidade da campanha que ainda nem começou.

É muito mais que isto. Retrocedemos tanto que chegamos a 1985, quando o país buscava a redemocratização. É lá que estamos, naquele passado que não passou. Não tivemos organização suficiente para derrotar o golpe de 2016. Estamos pagando o pedágio por não termos tido condições de reagir ao fascismo que se aninhou no poder, nos colocando a todos em estado de perplexidade e indignação. Jogaram em nosso colo 621 mil mortos, uma inflação na casa dos 10,74% e um desgoverno que faz e desfaz.

No meio do caminho ainda houve uma nova tentativa de golpe, numa data emblemática, o 7 de setembro. Desta vez, ao contrário de independência, teríamos o fechamento do sistema a nos legar um ditador típico das republiquetas das bananas. Um legado de “orçamento secreto”, naturalizado porque criado dentro do palácio, por intocável fardado, de quem não cobraram o respeito à lei, para não contrariar as já maculadas “Forças Armadas” …

Ao suar a camisa para vencer no primeiro turno, Lula não contou a história toda. Em sua corrida às costuras, linhas e pontilhados, o que está em jogo não é apenas formar uma frente ampla o suficiente para garantir sua eleição de forma palatável pelos vários setores e garantir a governabilidade. O que Lula está buscando é uma margem tamanha de apoio e votos, que o distancie de forma significativa do segundo colocado. Por vaidade? Por que vendeu a alma para o diabo? Não. Porque retrocedemos. Como no jogo infantil, você quando retrocede 30 casas, tem direito, depois, na rodada seguinte, de avançar apenas 10. É aí onde estamos.

O que Lula está buscando é o cenário ideal, de modo a que quando as quase 500 mil armas de que falamos acima saírem de maneira descoordenadas e sem liderança, desembestadas mesmo, dos armários, ameaçando a sociedade em defesa do derrotado, alegando fraude e querendo uma reedição “vitoriosa” do Capitólio, o discurso deles caia no vazio. 

Lula busca uma margem de diferença de votos grande o suficiente para falar por si. O dia seguinte, será o dia seguinte. O que está na mira de Lula parece ser isto. A garantia da prevalência do resultado das urnas. Não ficar à mercê de fanáticos que sairão às ruas dispostos a sacar as suas armas de caça em defesa do capitão. Bolsonaro que pegue as suas tralhas e dê o fora, pela porta dos fundos. Daí por diante, são outros quinhentos. E não outras quinhentas, como quer Bolsonaro.

Escrito por:

Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora-pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" e "Imaculada", membro do Jornalistas pela Democracia

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