Ex-presidente Lula (Foto: Luana Tayze/Comunicação Brisa Bracchi/Reprodução/Facebook)

Mídia condena Lula à condição de Capitu

26 de agosto de 2021, 15:04

O alargamento da margem de diferença nas pesquisas entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o segundo colocado, para as eleições presidenciais de 2022, tem provocado na mídia tradicional um movimento no mínimo curioso. Os veículos de modo geral tratam de construir sobre Lula o efeito Capitu. O de lançar e consolidar entre os eleitores – não os bolsonaristas raiz, mas os que esperam pelo verdadeiro Messias, o redentor da terceira via – uma dúvida eterna: culpado ou inocente? Laboriosamente constroem em seus editoriais e colunas de opinião a ideia de que, uma vez preso, não há como dissolver em votações nem sequer do Supremo tribunal Federal (STF), as acusações que contra ele foram lançadas em processos finalizados por um juiz já considerado suspeito e parcial.

A intenção, que volta e meia, (desde que o ministro Edson Fachin, do STF, anulou as ações movidas pela Operação Lava-Jato em Curitiba, contra o ex-presidente) frequenta as páginas e os editoriais, chegou hoje (26/08) às vias de fato. Explicitamente o jornal Folha de São Paulo dita no seu editorial que “a sequência de vitórias judiciais” obtidas por Lula “abriu o caminho para uma nova candidatura presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, mas está longe de dirimir as questões sobre o passado e o futuro do líder petista”. A esta altura, o ex-presidente é alçado à condição de um dos mais famosos personagens do romance “Dom Casmurro”, de Machado de Assis, lançado em 1899. Desde então, a figura feminina de Capitu suscita a dúvida. Teria ou não traído Bentinho, com o seu dileto amigo, Escobar?

A questão lançada no ar, pela mídia, mesmo depois da decisão da corte máxima do país, tem um objetivo apenas: disseminar desconfiança em torno do nome de Lula. Não querem deixar morrer o antipetismo construído com capricho e esmero durante todo o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, e no período que antecedeu às eleições de 2018. O exercício de desconstrução de Lula e seu partido foi de tal forma enfático e exagerado, que em vez de levar à vitória de Geraldo Alckmin, do PSDB, partido que organizou o golpe de 2016, juntamente com o vice-presidente de então, Michel Temer, fez emergir das urnas o presidente fascista que hoje eles abominam e querem trocar por um mais “apresentável”.

Bolsonaro transformou-se para eles em um verdadeiro “Ezequiel” – filho da personagem Capitu – parido em 2018, cruza da traição de Michel com o PSDB, e vive a lembrá-los o sabor amargo da injustiça cometida contra o ex-presidente Lula.

A desvalorização das vitórias jurídicas de Lula, começam pela ênfase dada pelos veículos tradicionais à “prescrição” por idade, um dos itens destacados na sentença da juíza Pollyanna Martins Alves, de Brasília, para onde foram carreados os processos do ex-presidente, por reconhecimento irrefutável da Justiça. Tentam minimizar o que apontou a juíza em sua sentença: a ausência de provas. Até consentem escrever que “as decisões judiciais foram bem fundamentadas – ainda que a medida inicial de Fachin tenha suscitado estranheza pela aplicação tardia. Lula, como qualquer cidadão, deve ser considerado inocente até prova em contrário”.

As provas “em contrário” a que se refere a Folha, foram abandonadas por ela, que a princípio iniciou corretamente a divulgação do avesso da Operação Lava-Jato, onde ficava patente a manipulação delas pelo procurador Deltan Dallagnol, por orientação do juiz Sérgio Moro (este sim, julgado por 7 X 4 no STF, como parcial).

Quando ficou evidente a partir da documentação trazida à luz pelo hacker Walter Delgatti Neto, a intenção de condenar Lula independente da existência ou não de provas, a própria Folha desembarcou das apurações da documentação revelada na Lava-Jato, mirando no cenário atual. O do dia em que teria de se posicionar quanto às eleições vindouras. Melhor parar com as publicações antes que se comprometesse a ser ela a provar a inocência de Lula, antes mesmo da decisão do ministro Fachin.

Liderando as pesquisas, Lula costura alianças de apoio pelo país, deixando à Folha e seus pares o exercício de buscar entre os “seus”, alguém que lhe faça frente. Pudesse ele responder ao editorial da Folha, de hoje, certamente repetiria a frase que encerra o romance de Machado, dita pelo personagem/narrador, Bentinho: que “a terra lhes seja leve!”

Escrito por:

Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora-pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" e "Imaculada", membro do Jornalistas pela Democracia

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