Luiz Inácio Lula da Silva, Bolsa de Valores e o dólar (Foto: Lula Marques | Reuters)

O mercado está nu

17 de março de 2023, 11:11

Enquanto o capitalismo derrete – três bancos americanos falidos em curto espaço de tempo, e mais a queda de 24% das ações do Credit Suisse (há um dia), fazendo trepidar as bolsas de valores pelo mundo -, no Brasil o governo empossado há pouco mais de dois meses se esforça para se adequar a uma formatação palatável para o “mercado” e justa para com o social.

Para os que, por dever de ofício, se postam diante da TV ouvindo/vendo análises político-econômicas, a sensação é a de ter entrado em um roteiro pré-estabelecido que aponta ao governo como agir, o que fazer. Sem contar pérolas do tipo: “esse governo detesta agências reguladoras”. Ou: “esse governo não aceitaria joias valiosas da Arábia Saudita por ter perfil eleitoreiro, por isso não toparia botar a perder o seu plano de continuidade no poder” … Ou, ainda, ouvir uma “economista” dizer que a melhor fórmula de controle fiscal que já inventaram foi o “teto de gastos, bastava elevar a meta um pouquinho”!  

Não, caro leitor, você não pirou. São formulações ditas com insistência diariamente por personagens “confiáveis” e seguidos nas redes. De tanto repetirem, acabam estabelecendo que é assim que funciona o mercado e a expectativa de inflação, o que justifica os juros altos, porque um dia alguém estabeleceu a paranoia de que se é o governo Lula, gasta demais. E se gasta demais, precisa ser contido. E se é para ser contido, é necessários ter alguém de viés liberal agindo na Economia, a fim de estabelecer que os juros continuem altos, para atender às expectativas do mercado, de manter uma meta de lucros confiável e dentro de segurança máxima de que navegaremos dentro do que foi projetado para a inflação.

Alguém já parou para pensar que é preciso ir para o centro da praça e dar um berro: “Basta!!!?” Fazendo um exercício que nos propôs Noam Chomsky em “Mídia – Propaganda política e manipulação”, quando sugere que se um marciano chegasse à terra agora e precisássemos explicar a ele o que acontece, ele certamente iria ficar bastante confuso.

Por exemplo, custaria a entender como um presidente eleito com voto direto e democrático, precisa ir jantar uma vez por semana na casa do imperador Arthur Lira, para dizer que, sim, está se comportando dentro do combinado. E, sim, jura que não fará estragos na economia do país que tanto ama, gastando a torto e a direito, provocando gastos desnecessários, que o impeçam de fazer o que prometeu na campanha: matar a fome dos pobres. (Isto, enquanto o imperador, de forma incoerente, exige mais cargos). E, ainda por cima, ver a tentativa constante da mídia de transformá-lo em uma espécie de Papai Noel, o bom velhinho que cuida apenas das criancinhas e de tudo quanto é bonitinho do social, mas não pode se ocupar das contas públicas porque nas finanças é um “malvadão”, esbanjador, e que por isso precisa ser mantido longe do cofre.

O amigo marciano também teria dificuldade de compreender por que Lula faz questão de implantar o programa de governo que prometeu na campanha. Que ousadia é essa? Não dá para esquecer essa história de redução da desigualdade? Isso fica bonito na boca dos comentaristas, mas na hora do vamos ver, a convidada Zeina Latif estará pronta para dizer que não vai funcionar. Ou bem Lula quer equilibrar as contas, ou bem quer salvar crianças pobres. As duas coisas ao mesmo tempo agora, não dá.

Vai daí, que num evento público, onde infelizmente a Dona Latif não está, uma criança grita a plenos pulmões que o “mercado” está nu. “Lula, baixou o preço da picanha?”. Sim, baixou, responde Lula, poupando o menino do percentual, que para ele não teria muito significado (15%). Para aquele menino, a informação preciosa é a de que na casa dele, no domingo, vai ter churrasco. No resto do mundo vai ter guerra, venda de armas, ciclones e ameaças. No Planalto, vai haver ranger de dentes, tentativa de divisão do núcleo duro – entre os que querem o tal arcabouço fiscal e os que acham que deveriam atender mais ao mercado -, mas na casa do pequeno paranaense vai ter picanha, porque a vida se impõe, a despeito da paranoia do Banco Central, das análises de Dona Latif e da volúpia do mercado. Quanto ao roteiro dos analistas? Lula não está a fim de segui-lo não… Por enquanto, sugere: “vão ver se eu estou na esquina”.

Escrito por:

Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora-pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" e "Imaculada", membro do Jornalistas pela Democracia

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