Raduan Nassar e Chico Buarque

Raduan Nassar merece, junto com Chico Buarque, receber outra vez o Prêmio Camões

15 de fevereiro de 2023, 20:02

Em 25 de abril, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estará em Lisboa, Portugal, para participar das comemorações pelos 49 anos da Revolução dos Cravos, a convite do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa. A data diz respeito ao levante popular comandado por jovens capitães do Exército português que pôs fim a 41 anos de ditadura salazarista, de inspiração fascista. Será uma festa da democracia que, para os deste lado de cá do Atlântico, terá um sentido a mais: Lula vai aproveitar para, também em Lisboa, entregar a Chico Buarque de Holanda o Prêmio Camões de Literatura.

A premiação havia sido concedida ao artista brasileiro em 2019, autor de vários livros, mas o então presidente Jair Bolsonaro recusou-se a assinar o chamado documento de chancela, uma vez que o Camões, no valor de 100 mil euros, é uma ação conjunta dos governos de Portugal e do Brasil. O gesto de deselegância e estupidez causou constrangimento internacional, mas não foi surpresa, vindo de quem veio. Na época, Chico, via redes sociais, pronunciou-se assim: “A não assinatura do Bolsonaro no diploma é para mim um 2º Prêmio Camões”.

Há, contudo, um outro injustiçado à espera de desagravo semelhante, o escritor Raduan Nassar, vencedor do Prêmio Camões de 2016. Nassar, hoje com 87 anos, foi laureado em reconhecimento à breve, mas exuberante carreira literária, reverenciada, há quase cinco décadas, pela crítica nacional e internacional, centrada em dois romances, “Lavoura Arcaica”, de 1975, e “Um Copo de Cólera”, de 1978. Assim como Chico, o escritor paulista é um homem de esquerda e nunca contou com a boa vontade da direita golpista brasileira.

Ao receber o Prêmio Camões, em São Paulo, em 18 de fevereiro de 2017, Raduan Nassar fez um discurso duro contra o golpe de 2016, contra a presidenta Dilma Rousseff, na cara de Roberto Freire, então ministro da Cultura do golpista Michel Temer. “Vivemos tempos sombrios, muito sombrios: invasão na sede do Partido dos Trabalhadores em São Paulo; invasão na Escola Nacional Florestan Fernandes; invasão nas escolas de ensino médio em muitos estados; a prisão de Guilherme Boulos, membro da Coordenação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto; violência contra a oposição democrática ao manifestar-se na rua”, enfileirou o escritor, para concluir com um desfecho que, hoje, soa perversamente curioso: “Episódios todos perpetrados por Alexandre de Moraes”.

Sim, isso mesmo. Revisitar o discurso de Raduan Nassar, ao receber o Prêmio Camões, em 2017, traz uma lição poderosa da História. Na época, ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo e ex-ministro da Justiça já indicado por Temer para o Supremo Tribunal Federal, Moraes estava longe de ser o Xandão de hoje, venerado pela esquerda.

“Com curriculum mais amplo de truculência, Moraes propiciou também, por omissão, as tragédias nos presídios de Manaus e Roraima. Prima inclusive por uma incontinência verbal assustadora, de um partidarismo exacerbado, há vídeo, atestando a virulência da sua fala. E é esta figura exótica a indicada agora para o Supremo Tribunal Federal”, estocou Nassar.

Pela coragem de dizer o que disse, naquele ano subsequente ao golpe de 2016, Raduan Nassar foi destratado por Roberto Freire. Trata-se de uma das figuras mais repulsivas da política nacional, uma espécie de ex-comunista de anedota que, ao abandonar o PCB, em 1992, dedicou-se a afundar em um pântano de adesismo de baixa extração até chegar, atualmente, ao comando do Cidadania, um pequeno covil de direita sem brilho nem relevância política.

Freire fez uma defesa esdrúxula do governo de Temer, desrespeitou a presença do premiado e do embaixador de Portugal, e ainda bateu boca com a plateia, antes de abandonar o evento, vaiado.

Raduan Nassar, por tudo que fez e representa, merecia, como Chico Buarque, uma segunda chance, em Lisboa, de receber o Prêmio Camões das mãos de um presidente de verdade.

Escrito por:

Jornalista, escritor e professor. Sócio fundador da agência de publicidade e marketing digital CobraCriada.

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