José Múcio e Lula (Foto: Ricardo Stuckert)

Se é para a felicidade geral, Lula diz ao povo quem fica

5 de fevereiro de 2025, 15:02

Sabedor do seu destino na terra, (veio, segundo a bíblia, apenas para cumprir o que o pai havia designado), Jesus deixou por aqui o apóstolo Pedro, como seu substituto, incumbido de erigir a sua Igreja. Calma! Não entrei para uma igreja neopentecostal, tampouco estou ministrando o catecismo. A introdução é para concluir: ninguém é insubstituível. Nem Cristo. Porém, aqui é preciso uma ressalva: só o ministro José Múcio. 

Explico. Há cerca de seis meses – e nessa trajetória muitas falas e atitudes suas foram, no mínimo, controversas -, José Múcio anunciava que iria embora. Mas, em ritmo de bolero de Paulo Diniz (“Como vou deixar você, seu eu te amo”), Múcio foi ficando. A cada marola na área militar, lá vinha ele, para a mídia, com a mesma cantilena. A família, os netinhos, todos pediam que fosse para casa, mas por imensa gratidão ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que atravessou o campo ideológico e foi buscá-lo lá na “direitona” (José Múcio apoiou a ditadura), foi ficando. 

Ora, todos nós sabemos que quem quer sair pega o boné (estão em alta) e vai embora. Não tem gratidão, choramingos e pedidos presidenciais que impeça.  A menos que o sujeito seja adepto, como é o caso, do ritmo: “são dois para lá, dois para cá”.

José Múcio, a cada tropeço ao atravessar do Planalto para o forte Apache e vice-versa, fazia dengo. Vou deixar o cargo! E não saía. A impressão que se tinha era a de que cavava o pênalti, depois valorizava o passe. As notícias davam conta de que não havia substituto para deixar no lugar. A cada semana, a mídia desfiava nomes possíveis, e nenhum era visto como aprovável. E José Múcio ia ficando.

Na madrugada de segunda para terça-feira, fiquei sabendo da decisão presidencial. Múcio Fica! E, de novo, o argumento foi: não há quem o possa substituir, nesse momento. Ah! Bom! O “nesse momento” aqui é fundamental. 

E por que José Múcio não pode sair nesse momento? Como sabemos, o PGR Paulo Gonet, está a um passo do fecho nas intermináveis investigações da Polícia Federal (PF), para, enfim, se pronunciar sobre os 40 envolvidos no golpe de 8 de janeiro. Entre eles, há dois ex-comandantes do Exército Brasileiro, generais de quatro estrelas, e de três oficiais com patentes de coronel – quase atingindo o generalato -, e queridinhos do comando. Além de um almirante com posto de comando.

A situação é inédita. Nunca antes na história desse país…, generais desse calão tiveram de acertar contas com a Justiça comum. Para a sociedade, o discurso do Alto Comando é o de que paguem por seus crimes. E haja crime! Tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do estado de direito, tentativa de homicídio contra o presidente da República, seu vice, de um ministro do Supremo – e o sequestro de mais um -, enfim, a folha corrida dos militares envolvidos é extensa. 

E o que a ficada de José Múcio tem a ver com isso? Muito. Como sabemos, Múcio chegou à esplanada a bordo de 12 itens de exigências das Forças Armadas. A Defesa foi a única pasta a nem sequer participar da transição. Não precisou. Seu nome foi imposto pelos comandos militares para cumprir uma pauta determinada. Entre os itens, impedir a reforma dos currículos das escolas militares, proteger e impedir mudanças na previdência especial das três Forças, a manutenção do critério de antiguidade para as promoções nas carreiras militares e outros.

Nas condições que o governo Lula iniciou – sobrevivendo a uma tentativa de golpe -, não havia o que discutir. Não se sabia, àquela altura, quem havia ou não aderido à conspiração. Portanto, o melhor era acatar e negociar o dia a dia. Conhecido do presidente de longa data – Múcio deve a ele ter a indicação para o TCU -, melhor era se ajeitar com ele e confiar em suas “costuras”, à base de muito cafezinho e posteriores almoços, quando o clima já estava mais ameno, pós o 8 de janeiro.

Nesse meio tempo, Múcio foi mais porta-voz dos militares do que ministro do presidente Lula. A ponto de não se sentir atingido, quando o embaixador de Israel considerou Lula “persona non grata” ao seu país. Para José Múcio, as relações não rompidas permitiam a liberalidade de prosseguir com a compra de obuses para as Forças Armadas brasileiras, daqueles que haviam ofendido o seu presidente. Não era com ele.

Isso, do ponto de vista do governo. Na perspectiva dos militares, derrapou quando não conseguiu demover o ministro Fernando Haddad e tampouco o presidente Lula, de impor aos militares alterações no tempo das aposentadorias, com o fim de alcançar a meta fiscal. Não se conformaram em ter uma das cláusulas do cardápio apresentado a Lula, na nomeação de José Múcio, rompida num acordo que desceu grosso na caserna. 

Tromba daqui, cambaleia de lá, o ministro via o calo doer e anunciava: “vou sair!” E ficava… No popular, “fazia doce”. Mostrava-se “insubstituível”. Até que, às vésperas da resolução de Gonet sobre Bolsonaro, Lula anunciou o “fico”. 

O recado chegou. José Múcio vai precisar transitar muito entre o forte apache, o Planalto e o judiciário, levando as negociações do “estica e puxa” que envolverá o julgamento de generais como Walter Braga Netto e Paulo Sergio Oliveira, por exemplo. A condenação de um Mauro Cid, do seu pai, Mauro Cesar Lourena Cid, e dos dois já citados, vai abalar o Alto Comando. Será mesmo necessário um plástico bolha para amaciar os abalos que tudo isso irá provocar. Daí, José Múcio fica. 

Outro confirmado hoje, por Lula, foi o ministro Alexandre Silveira, de Minas e Energias. Esse, sim, surpreendeu. Começou cercado de desconfiança do PT, mas conseguiu apaziguar a área – principalmente a relação com a Petrobras -, e segue firme. Mas há nomes na fila de saída. Aguardemos.

Escrito por:

Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora-pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" e "Imaculada", membro do Jornalistas pela Democracia

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