(Foto: Marcos Correa/PR)

Tentativa de aproximação de Lula com militares pode ser prematura ou equívoco

7 de agosto de 2021, 10:31

Enquanto Bolsonaro contabiliza quilometragem de moto país a fora, mililitros em perdigotos aspergidos sobre a população ou decibéis emitidos em palavrões, o Brasil ferve, se inquieta e continua a contabilizar os seus mortos. Incorporamos tanto a pandemia em nossas vidas que jornalistas já exibem gráficos sobre a Covid-19, com a naturalidade de quem mostra os índices e oscilações da bolsa de valores. Enquanto isto, setor a setor da sociedade se afastam dos arroubos do “presidente”, que diante do cenário cinza à sua frente, sopra as brasas da campanha pelo voto impresso, como se a decisão, – derrotada em 23 a 11 na Câmara dos deputados, nesta semana -, fosse mesmo decisiva para mudar a sua disposição de conflagrar o país. Não é. 

Bolsonaro insiste no assunto apenas porque não tem outro melhor para tratar. Nega-se a tomar a vacina (sabe-se lá se já não recebeu o imunizante). Prefere precaver-se contra a derrota, ou pelo menos consolidar para o seu público cativo (25%) uma desculpa que o permita sair do picadeiro para “entrar na história” sem ser alvo de muitos tomates e ovos podres. Para os demais 70% ele constará dela em uma nota de rodapé, onde ficará registrado: “o pior presidente da história do Brasil”.

Até mesmo a ala militar, que já veio a público fazer coro com os seus arroubos, tratou de procurar o ministro do Supremo, Gilmar Mendes, para não ficar mal na fita. Enquanto isto, O ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, – salvo manobras jurídicas radicais -, sobe nas pesquisas, o que o leva a se mover na direção de setores que não o  engolem de modo algum, buscando diálogo e entendimento.

Consta que está a cargo do ex-ministro da Defesa, Nelson Jobim, neutralizar a intolerância militar a uma eventual chegada de Lula ao poder. Pra isto, segundo publicou o jornal Folha de São Paulo, ontem à noite (06/8), Jobim incluiu nos seus habituais jantares com os amigos Dias Toffoli, do STF, e o general Sergio Etchegoyen,  o também ex-ministro da Defesa, o general Fernando Azevedo. Isto porque Azevedo, além de ser próximo a Toffoli, compreende bem os meandros e movimentações do governo Bolsonaro – e dos colegas que pertencem ou pertenceram ao Planalto -, e pode apontar “brechas” para uma eventual “deglutição” de Lula entre os militares.

Conforme externado à Folha, por alguns entrevistados reservadamente, a abordagem é prematura, precipitada. Ainda há pendências a serem resolvidas entre eles próprios – deixando transparecer que há racha nas fileiras, ou no mínimo indefinição – e, também, escoriações de outros tempos a serem cicatrizadas com relação ao ex-presidente, revelaram ao jornal: 

“Isso não significa, ressaltam oficiais da reserva e da ativa, ouvidos, qualquer tipo de óbice caso o petista seja escolhido nas urnas em 2022. Oficiais da ativa têm tido o mesmo discurso, afirmando que prestarão continência a qualquer pessoa eleita, descartando ameaça a uma eventual posse de Lula”.

Ainda conforme o que ouviu a Folha, “a resistência a Lula, arrefecida nos anos do petista no poder (2003-10) devido ao grande investimento em reequipamento proporcionado pela pujança do ciclo de commodities, voltou a se elevar nos meios militares no governo Dilma”. Os militares alegam dois pontos inarredáveis para tal rancor: “a tentativa de tirar de comandantes a prerrogativa de escolha nas promoções e a forma com que Dilma conduziu a Comissão Nacional da Verdade”. Eles queriam a versão do tal do “outro lado”. 

Uma fonte próxima aos quartéis, avalia a questão do ponto de vista de Lula. Ou seja, da conveniência ou não desta “aproximação” neste momento. 

“A busca de um acordo político para atual crise política-institucional brasileira é urgente. O diálogo com o Congresso Nacional, com os partidos políticos e os tribunais superiores está em curso. Deve-se rapidamente buscar a sociedade civil, em especial os sindicatos e as representações populares, vítimas do desemprego e do descalabro econômico, para ampliar a capilaridade de tal esforço”, reconhece. 

“No, entanto, buscar um diálogo com os “Militares”, como se fossem atores políticos autônomos, me parece um erro abissal. E um vício  tremendo de outros tempos, de outra República, morta de morte assassinada por tal vício:  “militares” é/são uma categoria socioprofissional, como qualquer outra na República. Reconhecer neles um mandato, ou pior, uma “tutela”, ou o “decaído Poder Moderador” , do Imperador, é parte, e fundamental, da ideologia/farsa militarista que subjugou as diversas Repúblicas aos próprios interesses militares ao longo da história Republicana brasileira”, opinou, a fonte, por e-mail.

E concluiu: “uma República democrática e livre não está subordinada aos vetos de nenhuma instituição ou autorizações de “grandes eleitores” autoqualificados  que impõe seu “nihil obstat” como se fossem a velha Inquisição. Na República quem decide, como disse o poeta “em ti quem mais ordena”,  é o Povo, a vontade  popular. Sem peias, sem travas ou medo, seja de gritos ou sussurros de golpes ou sabres”.

Escrito por:

Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora-pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" e "Imaculada", membro do Jornalistas pela Democracia

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